No canteiro de obras de Hollywood
perambulam muitos tipos peculiares.
Há desde os peões de obra, até os
engenheiros e arquitetos, estando todos com o propósito direcionado a reunir os
dólares das multidões, diferenciando-se pela capacidade de influenciar e
aceitar ser influenciados por quem assina o cheque.
Guillermo Del Toro não
parece querer ser nem um nem outro.
Mas ele habita Hollywood, e hora
ou outra teria que repensar seus rumos.
Porém, antes de qualquer coisa, Círculo
de Fogo (Pacific Rim) se assume uma homenagem às historias de kaiju,
mechas, e super sentai.
Um delírio efervescente
adolescente nerd, porém com dinheiro o bastante investido pra se tornar
realidade.
Na verdade, em se tratando de Guillermo
Del Toro, poucas vezes se viu um cineasta com uma ligação tão conflituosa
com o investimento financeiro destinado às suas obras.
Ao mesmo tempo em que sua
adaptação em Hellboy e Hellboy 2: O Exército Dourado foi digna de
elogios, sua arrecadação (pelo menos em se tratando dessas suas produções mais
comerciais) estava aquém do que se esperava de um blockbuster quadrinhístico
pós-retomada desse segmento.
Fato é que, mesmo quando visava
criar um filme voltado às multidões, ele o fez mantendo sua assinatura autoral
tão forte que, de um modo ou de outro sempre resultou em histórias esquisitas
com efeitos especiais e ação.
E pra mim, espectador, isso não é
problema nenhum. Muito pelo contrário.
Agora, pra estúdio que paga as
contas, a conversa não é bem assim.
Possivelmente por isso que em seu
mais recente trabalho a mencionada assinatura autoral ganha novos contornos.
Esse é o Guillermo Del Toro's
mais hollywoodiano até a presente data.
No entanto, no que isso implica é
que a verdadeira questão.
A atmosfera dos filmes dele, que
faz parecer que todos coexistem no mesmo universo ficcional, essa está
presente
desde sempre.
É um mundo particular que dessa
vez ganha a adição de monstros gigantescos e robôs humanoides tripulados, que
participam de uma a princípio guerra por sobrevivência que logo ganha contornos
político-propagandistas.
Tudo apresentado em um objetivo e
envolvente desenrolar que sem delongas mostra o grau de ameaça que emergiu da
tal fenda do Oceano Pacífico, e as implicações disso pro futuro da humanidade,
e que norteam as postagens no facebook da geração pós-kaiju.
Na luta contra os monstros
gigantes (os tais kaijus), a indústria bélica desenvolveu os jaegers, que irão
ser a linha de defesa à altura da ameaça, além de servir de molde pras action
figure da moda.
No que se refere aos personagens,
não há a excentricidade recorrente na filmografia do diretor.
Desde o protagonista, o piloto Raleigh
Becket (Charlie Hunnan), até o marechal Stacker Pentecost (Idris
Alba), ou a cientista e piloto Mako Mori (Rinko Kikuchi),
todo mundo segue uma estruturação mais formulaica e padronizada.
Todos estão suficientemente bem
pro que pede, mas é inegável que, convenhamos, é um tanto clichê.
Porém, vale lembraro que já dizia
um ditado mesozóico: “um clichê é uma boa ideia que muita gente passou a
utilizar, até que virou algo ruim”.
O que definiria Pacific Rim
um bom filme, portanto, seria de que modo utilizar esses elementos pra que
funcionem em uma trama.
Na verdade, eu não esperava esses
recursos convencionais em destaque em um filme de Guillermo Del Toro,
mas o que compensa é que, de um modo ou de outro, os filmes dele sempre foram
muito inventivos, e esse não é uma exceção.
Há novidades e sutilezas em todo
o andamento, que vão dos desdobramentos políticos, até questões ambientais, e
isso apenas enriquece a construção do mundo idealizado pelo cineasta, e faz com
que as batalhas colossais tenham um contexto, e não meramente uma desculpa, tal
qual um Transformers, ou qualquer blockbuster de roteiro fuleiro, e
efeitos notáveis.
Não é que os tais clichês não
incomodem a certa altura do campeonato, mas o nível de entretenimento é
tamanho, que Del Toro consegue um equilíbrio poucas vezes visto em um
segmento cinematográfico ultimamente tão corriqueiramente previsível e desinteressante.
Funciona inclusive a trilha
sonora buscando identificação imediata, e os trejeitos de animes e videogames,
que ao menos pra fins de nerdismo oldschool oitentista adiciona muita diversão
ao produto.
Demora pouco pra que a
grandiosidade e especialmente o envolvimento que os embates proporcionam,
prendam por completo a atenção do espectador.
A sensação de peso e inércia nas
cenas de ação, consegue tornar as relativamente lentas trocas de golpes tão
cinéticas e eletrizantes quanto foram as de Os Vingadores, rivalizando
inclusive em patamar de destruição com as do filme de Joss Whedon.
No seu frenesi de nerdismo, o
diretor Del Toro nunca rejeita a escancarada influência das produções
orientais que claramente nortearam seu recente trabalho. E desse modo, difícil
não lembrar de séries de temática similar, como Neon Genesis Evangelion,
Patlabor, Project: Zeoraymer,
Gundam, e Macross, ou os seriados super sentai que povoaram a
TV Manchete na década de 90, todos salvas as devidas proporções.
E tudo isso com uma competência
absurda nos efeitos especiais e criatividade desmedida nas sequências
empolgantes que tanto Homem de Ferro 3, Wolverine: Imortal, e
O Homem de Aço ficaram devendo.
Nesse quesito, Pacific Rim
é mais do que perfeito.
É empolgante do modo que a
franquia Hellboy teria que ser pra faturar o que os produtores gostariam
que tivesse conseguido.
O problema é que, nessa busca por
ser mais palatável ao público-médio, o cinema do diretor de Espinha do Diabo
(2001) perdeu aquela penumbra de estranheza que na verdade sempre foi um
grande segredo na qualidade acentuada de seus trabalhos.
No geral, parte disso ainda
existe em Círculo de Fogo, mas diluído em apresentações estereotipadas
de coadjuvantes que lembram Top Gun, e um desenrolar final de trama que
se assemelha a Independence Day, e que culmina em um menos inspirado
desfecho.
Além disso, há todo um esforço
destinado à manutenção de um núcleo cômico no enredo, protagonizado pela dupla
de cientistas Newton Geiszler (Charlie Day) e Gottlieb (Burn Gorman), e com uma participação surpresa
que dialoga com os trabalhos cinematográficos pregressos do cineasta.
Nada que oblitere seus acertos,
mas que o distancia de ser uma obra com a plena assinatura de um diretor que,
pelo visto precisou ajustar seus interesses às exigências que vem em
decorrência de um orçamento de $190 milhões.
O saldo resultante de Pacific
Rim acaba sendo um filme de entretenimento vários níveis acima da média, e
com pontos favoráveis que fazem os últimos pseudo-clássicos de Nolan
parecerem um suplício ainda maior nas pretensiosas 2 horas e meia pra mais que
são seu novo fetiche.
E se não é motivo pra apenas
aplausos, ainda assim resulta em cinema pirotécnico tão salutar e criativo que
traz nostalgia dos tempos em que os arrasa-quarteirões não precisavam se dizer
épicos em seus trailers pra que o público assim os considerasse no fim da
sessão.
Um caso de exceção em que um blockbuster tem mais ideias do que nomes famosos no cartaz.
Sua simplicidade tem algo a
dizer, ainda que o resultado nas bilheterias mostre que pouca gente entendeu o
que foi dito.
Quanto vale:
Círculo de Fogo
(Pacific Rim)
Diretor: Guilhermo Del Toro
Duração: 131 minutos
Ano de produção: 2013
Gênero: Ficção Científica/Ação
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