Em se tratando do aspecto comercial, foram dois os grandes momentos
do cinema de filmagens encontradas, e isso não é novidade pra
ninguém, ainda que sirva pra ilustrar esse texto.
Afinal, tanto o fenômeno “A Bruxa de Blair” quanto o
franquia sem fim “Atividade Paranormal” desencadearam em outros
realizadores de cinema o ímpeto de acumular grana através de
alternativas caseiras e espertas (algumas das que viriam, nem tanto).
Pra um subgênero que rendeu na maioria produções trash, com poucos na minha memória melhor produzidos, e com cara de blockbuster
(dentre eles “Poder Sem Limites” do hoje infame Josh Trank, e
“Cloverfield”, pelo Matt Reeves), esse chamariz das duas
produções mencionadas no segundo parágrafo acabou sendo essencial
pra sua sobrevida, através de um infinito surgimento de pequenos
apanhados de ideias e filmagens caseiras.
Porém, o que muita gente ignora, principalmente quando diz que “A
Bruxa de Blair” foi o primeiro filme a apresentar esse recurso,
é que antes do trabalho dos diretores Daniel Myrick e Eduardo Sánchez a respeito da tal
bruxa, outros cineastas já se arriscavam nessa estética, dentre eles Stefan Avalos, e Lance Weller que trouxeram ao mundo este “A
Última Transmissão”.
“A Última Transmissão” é formatado pra parecer um
típico programa de investigação em forma de documentário,
idealizado por um cineasta que foi além do que a polícia apurou do
caso do programa “Fato ou Ficção” e seu desfecho trágico em
busca de desvendar a lenda do demônio de Jersey.
O mockumentário dedica grande parte de sua duração a relatar o
processo investigativo realizado pela polícia e o julgamento que via
no único sobrevivente de uma incursão televisiva à floresta, o
maior suspeito do assassinato dos outros integrantes da equipe do
programa tosqueira “Fato ou Ficção”.
Jim Suerd (James Seward), um cara se declarando
possuidor de poderes paranormais, havia sido convidado a participar do programa em declínio pelos dois apresentadores, Steven Avkast
(Stefan Avalos),
e Locus Wheeler (Lance Weiler), e juntamente com o
técnico de som Rein Clackin (Rein Clabbers) se
embrenha na mata pra uma sensacionalista transmissão ao vivo que
terminou muito mal pra todos os envolvidos, rendendo um escândalo
midiático na região, e no qual todas as provas eram editadas de
modo a não haver dúvidas da culpa de Suerd.
Esta proposta inicial de cinema desvendando um crime é interessante,
e até pela sobriedade e sutileza na condução das entrevistas de
pessoas próximas e profissionais que trabalharam no caso, o clima é
bem mais de suspense do que de terror.
Não há correrias ou gritos. Existe apenas um desenrolar constante de novas
informações, bem ao estilo de programas televisivos dedicados a
crimes não solucionados.
Com isso, “A Última Transmissão” firma posição em uma
narrativa constantemente incrementada com alguma nova informação
que por boa parte do tempo só reafirma o que a opinião pública já
pensava a respeito da identidade do assassino.
Porém, é quando uma nova possibilidade passa a ser questionada que
a história realmente fica mais envolvente.
Novas pequenas surpresas vão sendo apresentadas, e o destino dos
quatro integrantes da equipe ganha contornos mais enigmáticos.
As filmagens empregadas no programa “Fato ou Ficção”, pelo seu
caráter de extremo amadorismo colaboram pra veracidade que o filme
ousa se atribuir, e juntamente com o elenco encenando situações
cotidianas e frases banais, funcionam nessa arte da farsa levada a
outro nível.
A direção não emprega grandes adereços pra isso. A entrega de revelações apenas não deixando muito tempo entre uma nova
pista e outra que é eficaz, no que não chega a ser um longa-metragem
empolgante, mas é eficiente em grande parte, pro que é um relato que
não tenta repetir o sensacionalismo da mídia apresentada no filme.
A seriedade com que as evidências são encaradas permite questionamentos pertinentes acerca do papel da mídia, e da própria
internet, enquanto ferramenta de comunicação que na época estava
longe de ser esse acessório visto como indispensável pra cada
aparelho eletrônico existente no planeta.
Porém, apesar de esses fatores minimizarem a falta de momentos de
clímax na história, eles não conseguem mascarar a grande queda que
é a transição entre o mockumentário e o estilo de filmagem
tradicional que além de tirar toda a atmosfera criada até então, é
o empregado pra contar a parte mais enfadonha do roteiro, que se
rende à necessidade de maiores explicações, e de se parecer com um
filme convencional.
O tiro no pé faz com que “A Última Transmissão” termine
radicalmente inferior ao que boa parte da metragem foi capaz de
explorar através de uma técnica de grande potencial, e que permitiu a esse
bando de caras realizar um filme sem grande orçamento, ou efeito especial, mas compensando no uso de ideias mais do que no de cifrões pra narrar uma história.
Se desenrolando de modo morno, ao menos não havia nada de tão ruim
no longa-metragem de Stefan Avalos, e Lance Weller até o
atrapalhado deslize que não desmerece a sua importância, mas o
diminui enquanto tentativa de imersão a um conceito desenvolvido de
maneira falha, que reservava um pequeno blockbuster inesperado no ano seguinte.
Quanto vale:
A
Última Transmissão. Recomendado para: revisitar um importante experimento do qual muito pouca gente lembra hoje em dia.
A
Última Transmissão
(The
Last Broadcast)
Direção:
Stefan Avalos, e Lance Weller
Duração: 86 minutos
Ano
de produção: 1998
Gênero:
Suspense/Mockumentário
Sign up here with your email
EmoticonEmoticon