Foi com severo constrangimento que eu assisti o medíocre filme "Valente" levar uma estatueta do Academy Awards em um gesto de conveniência assombrosa que premiou um produto comum, rejeitando o olhar minimamente crítico o qual o rebaixaria ao seu patamar digno de esquecimento.
Ao mesmo tempo, umas temporadas antes
eu assisti um dos exemplares do cinema de animação CG
blockbusteriana mais notáveis já criados, e que mesmo não sendo
seguidamente chamado de clássico do segmento, mereça sim vir à
tona sempre que o assunto conclamar os que se destacaram em se
tratando de obras com característica de animação similar.
Juntamente com "Toy Story 3", "Up: Altas
Aventuras", e um reduzido e seleto grupo de outros, "Como Treinar Seu Dragão" foi um dos poucos capazes de provocar mais do que risos em seu
público, e ganhar além das somas em bilheterias, respeito e
apreciação da parcela de plateia que em grande parte vai acompanhar
os filhos no cinema.
Após um seriado, com um hiato entre
longa-metragens de 2010 a 2014, a nova adaptação do universo
literário criado por Crescida Cowell enfim chega aos cinema do
mundo, com uma expectativa, em parte inflada pelo sucesso de público
e crítica no primeiro filme, e ao mesmo tempo esfriada pelo
intervalo considerável entre um filme e outro.
Isso acaba sendo um equilíbrio
interessante no que esperar do longa-metragem que vinha com o risco de perder muito de seu impacto com a saída de Chris Sanders da função de direção que dividiu com Dean DeBlois no primeiro filme. Agora Dean DeBlois é o único diretor, e uma mudança no tom do longa-metragem poderia representar um decréscimo de qualidade.
Ao menos no começo, as primeiras
linhas escritas pelo roteirista e diretor da obra mostram que não,
e o carisma dos personagens, mais do que permanecer intacto, apenas
se consolidou e se tornou ainda mais natural.
Dean DeBlois dirige com uma facilidade
em retratar a nova rotina dos habitantes da outrora mais lúgubre
ilha de Berk, que agora sabe que os dragões não são essa pedra no
sapato de ninguém. Muito pelo contrário. São bem legais.
Os coadjuvantes utilizam suas poucas
linhas pra trazer o padrão de humor da cinessérie, enquanto Soluço
(Jay Baruchel), e o dragão Banguela esbanjam entrosamento, lembrando que
nenhuma palavra é emitida pelo Fúria da Noite, e através de um
trabalho de animação diferenciado, a simpatia do sempre leal animal
novamente rouba a cena com seus trejeitos caninos habituais.
Sem que o espectador perceba o roteiro
cativa ao mesmo tempo em que expande os horizontes, seja pra mostrar
que ainda há algo de ruim pra lá de onde se enxerga no vasto mundo
que se apresenta agora, quanto pra deixar claro que não vai ficar só
nisso essa continuação. Isso porque, roteirista que entende do
riscado manja o bastante pra não restringir em mais e maiores
dragões todo um novo filme.
Existe ainda a parcela de drama que
move o âmago do núcleo de personagens, e que faz que realmente nos
importemos com as consequencias de cada ameaça que se apresente.
Mas tem ação no filme.
Mais do que o suficiente pra agradar o
máximo de gregos e troianos que é possível.
A galeria de dragões ganha algumas
aquisições que fazem Perna de Peixe (Christopher Mintz-Plasse)
celebrar por estar vivo, enquanto o novo vilão, com a voz de Djimon
Hounsou permite que a metáfora pacifista se aprofunde e vá além do
subtexto.
E em meio a reviravoltas, e batalhas
colossais, quando se percebe, "Como Treinar Seu Dragão 2"
já se tornou uma espécie de "Senhor dos Anéis" das
animações CG, fazendo uso da roupagem que naturalmente seria
associada a "filmes pra crianças" e sempre ampliando seus
próprios limites, seja na escala de batalhas, ou nos significados
pra cada grande momento corretamente distribuído ao longo de sua
metragem. Bastante reduzida metragem, diga-se de passagem, mas apesar disso
passando uma sensação de que muito mais foi visto e muito mais
aconteceu do que uma obra com tanta pirotecnia e perseguições
costuma ser capaz de transmitir.
É fato que ao buscar a grandiosidade
visual, se afasta um pouco do olhar voltado aos dilemas humanos que o
tornam um diferencial, o que não o afeta o bastante pra que deixe de
causar efeito quando o roteirista decide não ser óbvio apenas
porque esse é um filme censura livre, e com apelo infantil.
Além disso, agraciado com um consistente elenco de
dubladores, há vários momentos de simplicidade e
calmaria que dizem muito, sejam as imitações de Astrid (America
Ferrera), ou o quase número musical que conta com as vozes de Gerard
Butler, Cate Blanchet, e Craig Ferguson, ou qualquer uma das cenas
repletas de dragões até onde é possível ver, e que me fizeram
lembrar de Avatar do James Cameron, e do quanto aquelas cenas
magistralmente elaboradas em Pandora não diziam coisa nenhuma, e estavam na
tela meramente pelo visual.
Em "Como Treinar Seu Dragão 2"
cada cena tem um motivo que é além do deslumbramento visual.
Ainda destacando o elenco, repetem a
presença Jonah Hill, T.J. Miller, Kristen Wiig, que partilham várias
cenas com a adição de Kit Harinton, sempre com a competência do
roteiro em não deixar se levar pelo excesso, mantendo o
enfoque no drama primordial que move o filme.
Neste segundo filme, com apenas um diretor, e acrescentando outros rumos diante do impetuoso
protagonista, a franquia deixa de lado a simplicidade que marcou o
primeiro longa-metragem, assumindo um tom épico muito bem executado,
e nada parecendo com aquelas bombas cinematográficas com uma batalha
colossal vendida no trailer, e que na projeção fica anunciada pros minutos finais, pra compensar comuns e tediosos desdobramentos políticos,
e romances padronizados.
A fluência da narrativa torna cada
novidade na trama parte de uma busca de envolvimento com o enredo e as pessoas (e dragões, por que
não?) que almejam esse mundo de coexistência pacífica.
Na soma de qualidades, "Como
Treinar Seu Dragão 2" é um belo e poderoso filme, de coragem
ao contar sua história sem obrigações com as convenções, e
sabendo dosar singeleza sem abraçar o melodrama. E isso sem
mencionar que fica melhor se visto enquanto parte de franquia, aliado
ao primeiro filme, e não como um novo episódio, da forma que tantas
vezes ocorre com arrasa-quarteirões. É a trama de amadurecimento de
seu protagonista o cerne do filme, e até por isso que sacrifícios e
perda estão sempre à espreita, levando a um aprendizado com
potencial pra render mais alguns ótimos resultados no futuro.
Então, se os jurados do Oscar querem
premiar alguma animação CG, essa seria uma oportunidade de fazê-lo destinando a estatueta a um filme que realmente tem os méritos
pra isso. Não vai compensar o constrangimento de edições passadas,
mas já ameniza as coisas.
Quanto vale:
Com Treinar seu Dragão 2. Recomendado
para: uma nova visita a Berk. O que tem sido sempre um espetáculo
garantido.
Com Treinar seu Dragão 2
(How To Train Your Dragon 2)
Direção: Dean DeBlois
Duração: 102 minutos
Ano de produção: 2014
Gênero: Aventura/ FantasiaSign up here with your email
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