Não vou ficar comentando
a respeito do cinema de ação sul-coreano e do quanto ele se
destacou ultimamente, com ótimas histórias e personagens marcantes.
Nem vou tentar convencer ninguém sobre o privilégio que é começar
a assistir um filme em que qualquer coisa pode acontecer, sem ninguém
se preocupar se vai contra as bases do cinema convencional, em que
pra que o filme faça sucesso, o roteiro é visto como fator
acessório.
Não.
Eu vou apenas falar sobre
o filme "Deranged", do diretor sul-coreano Jeong-Woo Park,
e exemplificar o que eu mencionei acima, sem parecer que tô me
repetindo.
O filme da vez, que
recebeu o nome estadunidense de "Deranged", mas no original
se chama "Yeon-ga-si", e que por aqui, apesar de não ter
um título oficial (que eu saiba) é chamado "Demência",
relata uma súbita disseminação de caos pelas ruas da Coreia do
Sul.
E quando falo que é da
Coreia do Sul é porque não é em um vilarejo afastado, em que as
pessoas vivem suas rotinas até que algo aconteça.
É no país inteiro,
mesmo.
São os dois irmãos os
personagens que irão conduzir a busca por respostas, e acreditem
quando eu digo que, nessa história sobre uma epidemia que assola o
país, tem muito mais que vai ser respondido do que costuma acontecer
nesse tipo de filme.
O padrão é: epidemia
surge repentinamente, ninguém sabe exatamente de que forma, e no
final, se algo for esclarecido não vai muito além de algo vago e
que deixa o "mistério" no ar, e perguntas sem resposta.
Mas e se o roteirista, de
repente cogitar pensar em levar a trama além? E se as perguntas sem
resposta se tornarem novas informações pra que o filme tenha
motivos pra existir além de correria, e mortes gratuitas, e assim
expandir suas consequências?
Em "Deranged",
o ritmo narrativo do começo e os primeiros estágios da epidemia são
mais ou menos o que se imagina de um filme do gênero, e enquanto
acompanhamos os irmãos Jae-hyeok (interpretado pelo Kim
Myeong-min) e Jae-pil (interpretado pelo Dong-wan Kim)
e suas famílias, sem perceber o pandemônio é instaurado.
E no meio disso tudo, os
dramas particulares deles servem ao roteiro sem uma separação entre
"o momento de reconciliação", ou "a hora em que um
faz o discurso pro outro no ápice da crise".
Claro que não.
Isso nunca funcionaria de
verdade em um enredo que trata de um surto de uma doença que leva as
pessoas a se "suicidarem" afogando-se, e que rapidamente
torna-se motivo pra hordas descontroladas tomarem as ruas, seja pra
buscar esse "suicídio", ou pra encontrar alguma forma de
parar os sintomas em seus familiares.
Nesse ponto, o filme
flerta com as histórias de zumbi, mas sem necessariamente ingressar
de tal forma no subgênero, apesar que sua abordagem é tão
interessante que faz lembrar (e querer reassistir) o excelente
"Pontypool" (2009). E tal qual as melhores histórias
de zumbi souberam fazer, isso é utilizado em prol do questionamento,
e não pra forçar momentos de ação.
Bem narrado, o
longa-metragem utiliza os vários personagens envolvidos sem deixar
de ceder os minutos que os protagonistas precisam pra que seja
envolvente acompanhar a busca deles, que vai do pânico inicial, por
não fazer a mínima ideia do que está acontecendo, passando pelas
ondas de insanidade na procura por medicamentos, até desvendar o que
foi responsável pelas multidões de cadáveres aparecendo
incessantemente.
No entanto, Deranged é
uma exceção agradável pra fins de cinefilia, mas extremamente
desagradável pra quem assiste esse tipo de produção esperando o
que os blockbusters têm apresentado, mesmo que não se tratando de
alguma doença desconhecida, etc.
Mesmo quando o assunto é
na verdade um estado de emergência em uma grande cidade, ou similar,
não é sempre que um diretor consegue expandir a o alcance sem
sacrificar a coerência, e um exemplo didático de o quanto um filme
perde quando a megalomania se sobrepõe a um roteiro coeso é "O
Cavaleiro das Trevas Ressurge"com sua edição atorboada, e elipses confusas, resultando em um cerco a Gotham que passa muita coisa, menos a sensação de cerco da cidade.
Pra fins de comparação
o filme de Christopher Nolan enfim serve pra alguma coisa, e
ajuda a ilustrar em contraponto a competência do trabalho do
Jeong-Woo Park, que transforma sem pressa um país inteiro em um
hospício de portas abertas, e joga tanto com o clima de horror e
desorientação, e as cenas perturbadoras dos corpos flutuando sem
vida, quanto com o drama familiar não-piegas, além de trazer uma
porção de crítica ampla na trama.
Isso porque, a demência
no filme é provocado por motivos maiores do que apenas o medo da
morte, e da perda de entes queridos.
É também por ambição
e ganância.
E então o roteiro
aproveita pra tecer algumas linhas de crítica, e seja o despreparado
governo, seja a indústria, ou mesmo o egoísmo de cada dia, nada
escapa de ter sua culpa evidenciada.
A produção acompanha a
escala dos desdobramentos, e nesse thriller de trincar os dentes, o
derramamento de sangue frequente em vários dos bons filmes
sul-coreanos fica pra escanteio, mas sem que os detalhes da história
sejam por isso menos impactantes.
Apesar de alguns poucos
deslizes mais significativos, o filme é daqueles que proporciona
envolvimento a ponto de o desconforto de suas cenas, e isso é sempre
fundamental nesse tipo de trama.
Não fosse pelos
mencionados escorregões no roteiro no ato final, quando os fatos não
são amarrados de forma tão harmoniosa, poderia muito bem se igualar
a 3 obras que assistindo me vieram à mente: o já mencionado
Pontypool, O Hospedeiro (2006), e a série britânica Utopia.
Mas o demérito é
pequeno diante dos acertos.
"Deranged"
ainda é das melhores produções do gênero, e nos seus pontos altos
deixa muita coisa na memória quando o filme termina.
Quanto vale:
Deranged. Recomendado
para: aproveitar um bom filme oriental com promissoras chances de não ser vitimado por um remake.
Deranged
(Yeon-ga-si)
Direção: Jeong-Woo
Park
Duração: 109 minutos
Ano de produção:
2012
Gênero:
Thriller/SuspenseSign up here with your email
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