Da série "Ninguém curte, só nós" - Trancers


Imagine um longa-metragem que coloca em um mesmo caldeirão algumas pitadas de filme noir, doses moderadas de ficção científica, tempera tudo com viagens no tempo em um cenário urbano pós-apocalíptico que mais parece um Blade Runner dos pobres. Pois esse é o perfil de Trancers, produção lançada em 1985 que nos EUA, seu país de origem, possui um séquito de admiradores, mas aqui no Brasil, apenas alguns aparvalhados (eu incluso) conhecem e apreciam.

Lembro que eu assisti Trancers na minha tenra infância, durante a década de 90, quando essa pérola do absurdo foi exibida na TV aberta com o título de O Exterminador do Século 23. Na ocasião, acreditei eu que esse filme tinha tudo para ser o novo hit das conversas entre garotos fãs de filmes aventurescos, histórias em quadrinhos, aventuras espaciais e que tais. Eu, na minha inocência, pensava então que o então protagonista Jack Deth alcançaria o posto de "herói de ação do momento", já que o cidadão tem o perfil daqueles detetives presentes nos livros noir do escritor Raymond Chandler, lembrando também um pouco Richard Deckard, o protagonista do Blade Runner. Até mesmo a boa e velha narração em off o acompanhava. Além disso, Jack Deth tinha em seu semblante uma eterna expressão mau humorada, que dava a impressão de que bastava alguém lhe desejar bom dia para ter o cérebro esfacelado por um balaço.


Apesar de tais atributos, o filme não foi lançado em vídeo no Brasil e talvez por isso até hoje é um ilustre desconhecido.

A história no filme Trancers inicia no vindouro século 23, quando o policial ranheta Jack Deth, interpretado na medida certa por Tim Thomerson, entra em cena acompanhado por uma indefectível narração em off. 


A narração situa o espectador na trama, explicando que ele é um homem da lei perseguindo um vilão chamado Martin Whistler. Esse fascínora tem o poder de criar e controlar um bando de zumbis mutantes conhecidos como Trancers.

No decorrer do longa-metragem, o espectador descobre que a esposa de Deth foi assassinada no combate contra os Trancers. Por isso, com o coração mergulhado no mais puro sentimento de vingança, o policial adota como objetivo de vida matar todo e qualquer tipo de Trancer que cometer a cagada de surgir em seu caminho. Inclusive, para realizar tal intento, o cara utiliza uma arma laser, bem como manda a cartilha dos filmes no futuro.


Mas, ao ser procurado por um dos seus superiores, Jack Deth descobre que Whistler, o líder dos Trancers, está no passado, mais precisamente em 1985, com o intuito de eliminar o Conselho governante da Califórnia. Ou seja, o cara viajou ao passado para matar os antepassados dos governantes do futuro, causando assim um verdadeiro caos na linha cronológica. E é aí que entra algo que antecipou vários filmes de hoje: Os cientistas do futuro podem apenas enviar objetos para o passado, mas não tecido orgânico. Sendo assim, para viajar no tempo, Jack Deth tem apenas a sua consciência mandada para 1985. (Tal argumento já foi utilizado em uma história em quadrinhos dos X-Men chamada Dias de um Futuro Esquecido).


Para a consciência dele permanecer no passado, ela deve habitar o corpo de um antepassado do viajante no tempo. Dessa forma, os corpos futuristas do mocinho e do bandido permanecem no futuro, em uma espécie de coma, enquanto as suas mentes são transferidas para os novos corpos no ano de 1985!
Imaginem então o efeito que esse roteiro deliciosamente destrambelhado causou na minha mente incauta lá dos anos 90. Eu, particularmente, considerei sensacional. E olha que isso me fez gastar horas e horas para encontrar os furos na trama, que existem sim.

Pois bem, fechando os olhos para as crateras presentes no roteiro, é interessante reparar que se o indivíduo do século 23 só pode regressar ao passado possuindo o corpo de algum parente seu, Deth vai parar justamente no corpo de um jornalista chamado Phil, também interpretado por Jim Thomerson.Whistler vai parar em um sujeito chefe do Departamento de Polícia, ou seja, uma conveniência do roteiro para facilitar as maldades do vilão. Fato esse que rendeu boas situações em uma filme de aventura que não se prolonga por horas intermináveis e se resolve em pouco mais de 80 minutos.

Esse processo de viagem temporal apenas por meio da consciência também foi uma boa sacada, pois impede que o herói mate o vilão, pois ele está possuindo o corpo de um inocente. Dessa forma, o árduo trabalho de Jack Deth é injetar uma determinada droga no organismo do cidadão possuído. Tal substância fará a consciência do bandido abandonar o hospedeiro e regressar para a época de onde ele nunca deveria ter saído: o século 23. Para piorar, o vilão no passado utiliza os seus poderes para criar a sua legião de Trancers.

Sobre o roteiro que, de certa forma foi até ousado para um reles filme B de 400 mil dólares, é interessante lembrar que é assinado pela dupla Paul DeMeo e Danny Bilson, os mesmos caras responsáveis pelo script do divertidíssimo Rocketeer.

Outra curiosidade sobre o Trancers é o sujeito que ficou responsável pelo departamento de arte (???), um tal de Frank Darabont, que mais tarde se tornou o responsável por dirigir excelentes adaptações cinematográficas dos livros do Stephen King. Vale também citar que esse é um dos primeiros trabalhos da atriz Helen Hunt.


A direção dessa amável tranqueira ficou a cargo do Charles Band, uma das cabeças pensantes das falecidas produtoras Full Moon e Empire.

Se no Brasil o filme Trancers não é lembrado nem mesmo para ser xingado nas redes sociais, fora do país o longa-metragem tem um significativo número de fãs, tanto que Band, ao longo dos anos 90, realizou mais sequências. Eu ainda não as assisti, mas há opiniões de que as únicas sequências realmente interessantes são a segunda e a terceira.

Para quem se interessar pelo universo de Trancers, talvez goste da história em quadrinhos baseada no filme. (Olha só essa beleza de capa):

Trancers - Recomendado para: Os corajosos e curiosos que almejam conhecer mais a fundo o legado dos filmes B da Full Moon.


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