Hackers, internet e o futuro distópico dos anos 90



Há vinte anos, em 1995, a internet já existia, porém não como a conhecemos hoje. Dia desses revi três filmes lançados em 1995 e que tinham como mote principal da história a tecnologia. Os três, de acordo com a visão dos anos 90, contavam com roteiros falando sobre computadores conectados, senhas quebradas, e-mails vigiados e outros elementos que mostravam a sociedade ainda tentando entender o que é um mundo conectado entre si.

Os filmes A Rede (dirigido por Irwin Winkler), Johnny Mnemonic (dirigido por Robert Longo) e Hackers (dirigido por Ian Softley) são três produções bem distintas entre si, mas que tentaram, ao seu modo, captar o zeitgeist do período, quando o mundo estava gradativamente embarcando na onda virtual e, para boa parte da população, termos como e-mail e homepage ainda eram palavrões horrendos.

A Rede, para mim é o melhor do trio. O filme tem como protagonista uma Sandra Bullock em ascensão e é costurado por uma intrigante trama de espionagem. 


Na história, Angela Bennett (Sandra Bullock) é uma programadora de computadores solitária, que depois de receber por acidente um software ao qual não deveria ter acesso, passa a ser perseguida por uma empresa de informática criminosa. Angela tem então a sua vida apagada e sua identidade é roubada por uma dos criminosos. O mais legal é a espiral claustrofóbica de desespero em que a protagonista mergulha ao investigar a conspiração e, ao mesmo tempo, tentar recuperar a sua  Em suma: É como um daqueles desconfortáveis contos do Philip K. Dick, porém sem a camada metafísica tão comum na obra do cara.

É óbvio que A Rede, ao ser analisado por alguém hoje perito em tecnologia, vai apontar algumas situações que envelheceram mal, mas a narrativa, embora não seja propriamente de ação, em nenhum momento deixa o espectador piscar para perder algo.

Dia desses, inclusive, catei algumas revistas dos anos 90 sobre cinema e aferi que esse filme apanhou da crítica mais que o Internet Explorer em conversa de programadores. Uma das alegações dos críticos era de que “uma moça gatinha como Bullock não ficaria a maior parte do tempo navegando na internet”. Ah se esses críticos tivessem uma bola de cristal!



Hackers, dos três, para mim é o pior. A trama é protagonizada por um pirralho com o nickname (lembram do Mirc?) Zero Cool (interpretado por Johnny Lee Miller). O cidadão é uma lenda entre os hackers, pois com apenas 11 anos, sem espinha na cara e sem idade até para comprar cerveja na esquina, ele inutilizou 1507 computadores em Wall Street, provocando um caos total no mundo das finanças. Por conta deste ato ele ficou proibido de mexer em um computador até chegar aos 18 anos, mas quando pode retorna aos computadores utilizando agora o nickname de Crash Override. Até que se depara com um megalomaníaco plano que pode acabar com a vida dele, além de tornar o autor um cara muito rico.

Para neutralizar tal plano, o protagonista (junto com um bando de nerds) se envolve em altas aventuras movidas a senhas de computador, invasão de redes e uma guerra cibernética muito louca.



O problema do filme é o visual demasiadamente estereotipado que molda os amiguinhos do cara. Vale assistir mesmo pela curiosidade de ver como o cinema tratava algo até então de outro mundo (internet) e também para ver a Angelina Jolie parecendo uma proto Lady Gaga de penteado curto, tatuagem e que ainda não era nem sombra da pop star que seria em tempos vindouros.



Johnny Mnemonic, apesar de ser ruim, eu achei mais divertido que Hackers justamente por abordar um dos meus temas preferidos: futuro distópico. O cenário é baseado em conceitos cyberpunk e mostra um futuro caótico onde grandes centros urbanos são povoados por traficantes, prostitutas, vagabundos e toda sorte de seres periféricos perambulando por ruas repletas de artefatos tecnológicos. Qualquer semelhança com o livro Neuromancer de William Gibson não é coincidência, visto que Johnny Mnemonic é baseado em um conto desse autor que praticamente cunhou a palavra cyberpunk no imaginário da ficção científica.

O filme narra as desventuras desse tal Johnny Mnemonic, interpretado por Keanu Reeves. Na trama temos Johnny, um cara que atua como mensageiro transportando dados importantes em um HD localizado em seu cérebro com capacidade de memória de 80 gigas, que ele duplica para 160 gigas. Ou seja, apenas nesse ínfimo detalhe já conseguimos detectar dois termos que hoje são comuns em diálogos até em uma família no café da manhã: o HD e o termo giga.



Johnny faz o serviço dele da forma mais discreta possível, porém, de repente, ele se vê na mira de gangsters, já que ele carrega algo que, além de poder explodir a cabeça dele a qualquer momento, pode ser a possível cura de uma doença que aflige o pós-apocalíptico mundo do filme. Diante de tais percalços, Johnny necessita efetuar o download dos arquivos que estão no cérebro dele em menos de 24 horas. Isso mesmo, downloads, palavrinha que é tão comum hoje em nosso conectado cotidiano, mas que para boa parte dos nossos antepassados em 1995 era algo algo fora da realidade.

É interessante notar também que a figura do mensageiro carregando informações na mente existe no filme porque o mundo está dominado pela pirataria e o único local seguro é a cabeça desses intrépidos transportadores.

Eu até compreendo a reação negativa da crítica e do público da época. Os personagens bizarros, violência acima da medida para uma produção de caráter mainstream e um Keanu Reeves anti-herói (o cara interpretou o policial boa praça do até então recente Velocidade Máxima) foram os ingredientes que ajudaram a afundar Johnny Mnemonic no ostracismo. Inclusive quase afundou a carreira de Reeves, que conquistou, graças a essa tresloucada ficção científica, um Framboesa de Ouro.



Além disso, conta com um elenco tão discrepante entre si que só sujeitos como Robert Rodriguez conseguiriam hoje reunir. Além do Keanu Reeves, há o astro oriental Takeshi Kitano e os músicos Ice-T e Henry Rollins (vocalista do Black Flag), bem como o Dolph Lundgren irreconhecível e interpretando um assassino sádico que se considera Jesus Cristo.
Em tempo: Johnny Mnemonic foi roteirizado pelo próprio William Gibson.

Definitivamente A Rede, Johnny Mnemonic e Hackers possuem lá os seus problemas e, obviamente, não mudaram os rumos da indústria cinematográfica, mas servem como um bom material nostálgico para ver como a ficção pensava a internet há vinte anos, época em que nossos antepassados provavelmente assistiram esses filmes em VHS, isso mesmo, VHS, palavra que hoje é algo fora da realidade para quem ainda não tem dez anos.
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