Dessa política do Satélite de poder falar do que quiser, mesmo que
não seja assunto do momento, um porém que surge é quando se decide
falar de alguma obra que hoje em dia já atingiu status de clássico.
Não é só porque todo mundo tem opinião completamente formada e
na época do lançamento ainda haviam opiniões divididas, etc, mas
também porque todo mundo já falou e comentou a respeito.
Acontece que, de modo a apresentar
os universos dos filmes do Estúdio Ghibli
pra minha filha revisitei todas as produções da empresa lendária e em muito se expandiu o que eu pensava a respeito desses filmes.
Sendo assim, parecia que algumas
várias lacunas tinham que ser preenchidas, e por isso meio que se
inicia uma espécie de Especial Estúdio Ghibli aqui no Satélite.
Pois bem.
22 anos depois da sua promissora
estreia no cinema de animação na função de diretor,
Hayao Miyazaki não deixava
ainda tantas pistas em seu "Lupin III"
dos tantos degraus que ele impulsionaria o cinema como um todo a
vislumbrar a seguir.
No entanto, “A Viagem
de Chihiro”, além de ser um
filme multi-premiado mundialmente, seria o principal responsável por
uma visibilidade ao trabalho do cineasta e do Estúdio
Ghibli, pra um público ainda
não familiarizado com suas produções.
Mais de cinquenta prêmios, incluindo um Oscar de melhor
longa-metragem de animação virariam o jogo, tornando cada novo (e
antigo) lançamento obra essencial na filmografia de todo cinéfilo,
incluindo aqueles acostumados a enjaular as produções de anime em
um patamar de sub-arte.
A trama à qual o diretor nos
convida acompanhar é mesmo propícia pra isso, pois diferente de
“Nausicaã”, ou
“Princesa Mononoke”,
havia uma leveza a mais no enredo, forjando um encontro entre estilos
narrativos, e técnicas visuais empregadas em trabalhos pregressos.
De modo semelhante a esses dois
longa-metragens, e outros tais quais “Meu Vizinho
Totoro”, “Castelo
no Céu” e outros, os
simbolismos a alegorias povoam a tela sempre dando novo rosto a
questionamentos e reflexões acerca da vida, e do nosso papel no
contexto em que vivemos.
Em “A Viagem de
Chihiro”, o tema não é
centrado em temas ecológicos, tal qual em alguns dos outros filmes
que eu mencionei, mas sim dá vazão a uma bela parábola acerca de
amadurecimento, e aprendizado.
A menina Chihiro (dublada no original pela Rumi Hiiragi)
é uma mala sem nenhuma alça, e que vem infernizando os pais há
alguns quilômetros rumo à casa nova, mas invés de seguir a fórmula
estadunidense de desperdiçar hora e quarenta da minha vida tentando
me convencer que o melhor sempre é ouvir a reclamação da criança,
e voltar pra casa antiga, em que ela foi criada e tem muitas
lembranças, incluindo aquelas marcas na parede que os pais fizeram
pra acompanhar o crescimento dela, e outros choramingos, o roteiro de
Miyazaki leva a menina a enfrentar o rito de
passagem sem maiores alternativas.
Ou ela encara a situação com a dignidade que o assunto pede, ou não
vai resgatar seus familiares.
Bem servido de misticismo, e simbolismos, o enredo não se perde em
momento algum, explorando tanto o aspecto emocional, quanto as
possibilidades criativas que a ambientação permite.
Fascinante em cada frame,
visualmente falando o trabalho do Estúdio Ghibli
é de tal forma completo, não se limitando a retratar locais e
personagens mas fazendo as paisagens e ambientes internos tão vivos,
que facilmente a plateia se integra ao nada convencional do qual a
protagonista agora faz parte. Isso de maneira orgânica, e sem deixar
que a técnica de animação, ou excelência técnica se sobrepujarem
ao cerne do enredo.
Dessa forma, contando com um
roteiro que não deixa nada sobrando, Miyazaki vai
contando uma história que poderia causar mais estranhamento do que
envolvimento, mas que se complementa no visual, rico em detalhes, mas
nunca chamando pra si qualquer protagonismo.
Com isso, sobram motivos pra que o
espectador ao final da sessão se sinta gratificado pela experiência
propiciada de vivenciar uma jornada fantástica, no que infelizmente
tem se tornado no mainstream cada vez mais motivação pra emoções
baratas, e CG abusivo.
Diante de um longa-metragem que nem
esse, que mantém um ritmo fluido o tempo todo, sem momentos sem
graça, ou correria excessiva, contando ainda com personagens bem
construídos, a maestria de cada peça impulsiona empatia com o
enredo e sua galeria de figuras incomuns, mesmo que as personalidades
evidenciadas em cena não sejam idealizações de perfeição.
A transição da protagonista, aliás, é o grande trunfo da trama.
É fácil e muito agradável
acompanhar o aprendizado de Chihiro,
de guria mimada e resmungona, a alguém que aprendeu a valorizar a
família, e passou por adversidades que a tornaram uma pessoa
disposta a fazer algo pelo que quer, e não simplesmente tentar
resolver as coisas garganteando.
No meio do processo, enquanto
esbanja competência em suas escolhas narrativas, Miyazaki
ainda tece algumas linhas a respeito de cobiça, e valores familiares
distorcidos, enquanto a personagem principal cresce e traduz em si
cada passo de uma epopeia que firmou com merecimento lugar de
destaque na História do cinema.
Quanto vale: Dois Ingressos
A
Viagem de Chihiro. Recomendado para: relembrar de um vencedor do
Oscar que não deixou de parecer bom depois que o hype da premiação
passou.
A
Viagem de Chihiro
(Sen
to Chihiro no Kamikakushi)
Direção:
Hayao Miyazaki
Duração:
125 minutos
Ano
de produção: 2001
Gênero:
Aventura/Fantasia
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