A Viagem de Chihiro (2001)



Dessa política do Satélite de poder falar do que quiser, mesmo que não seja assunto do momento, um porém que surge é quando se decide falar de alguma obra que hoje em dia já atingiu status de clássico.
Não é só porque todo mundo tem opinião completamente formada e na época do lançamento ainda haviam opiniões divididas, etc, mas também porque todo mundo já falou e comentou a respeito.
Acontece que, de modo a apresentar os universos dos filmes do Estúdio Ghibli pra minha filha revisitei todas as produções da empresa lendária e em muito se expandiu o que eu pensava a respeito desses filmes.
Sendo assim, parecia que algumas várias lacunas tinham que ser preenchidas, e por isso meio que se inicia uma espécie de Especial Estúdio Ghibli aqui no Satélite.




Pois bem.
22 anos depois da sua promissora estreia no cinema de animação na função de diretor, Hayao Miyazaki não deixava ainda tantas pistas em seu "Lupin III" dos tantos degraus que ele impulsionaria o cinema como um todo a vislumbrar a seguir.
No entanto, “A Viagem de Chihiro”, além de ser um filme multi-premiado mundialmente, seria o principal responsável por uma visibilidade ao trabalho do cineasta e do Estúdio Ghibli, pra um público ainda não familiarizado com suas produções.
Mais de cinquenta prêmios, incluindo um Oscar de melhor longa-metragem de animação virariam o jogo, tornando cada novo (e antigo) lançamento obra essencial na filmografia de todo cinéfilo, incluindo aqueles acostumados a enjaular as produções de anime em um patamar de sub-arte.
A trama à qual o diretor nos convida acompanhar é mesmo propícia pra isso, pois diferente de “Nausicaã”, ou “Princesa Mononoke”, havia uma leveza a mais no enredo, forjando um encontro entre estilos narrativos, e técnicas visuais empregadas em trabalhos pregressos.
De modo semelhante a esses dois longa-metragens, e outros tais quais “Meu Vizinho Totoro”, “Castelo no Céu” e outros, os simbolismos a alegorias povoam a tela sempre dando novo rosto a questionamentos e reflexões acerca da vida, e do nosso papel no contexto em que vivemos.




Em “A Viagem de Chihiro”, o tema não é centrado em temas ecológicos, tal qual em alguns dos outros filmes que eu mencionei, mas sim dá vazão a uma bela parábola acerca de amadurecimento, e aprendizado.
A menina Chihiro (dublada no original pela Rumi Hiiragi) é uma mala sem nenhuma alça, e que vem infernizando os pais há alguns quilômetros rumo à casa nova, mas invés de seguir a fórmula estadunidense de desperdiçar hora e quarenta da minha vida tentando me convencer que o melhor sempre é ouvir a reclamação da criança, e voltar pra casa antiga, em que ela foi criada e tem muitas lembranças, incluindo aquelas marcas na parede que os pais fizeram pra acompanhar o crescimento dela, e outros choramingos, o roteiro de Miyazaki leva a menina a enfrentar o rito de passagem sem maiores alternativas.
Ou ela encara a situação com a dignidade que o assunto pede, ou não vai resgatar seus familiares.
Bem servido de misticismo, e simbolismos, o enredo não se perde em momento algum, explorando tanto o aspecto emocional, quanto as possibilidades criativas que a ambientação permite.
Fascinante em cada frame, visualmente falando o trabalho do Estúdio Ghibli é de tal forma completo, não se limitando a retratar locais e personagens mas fazendo as paisagens e ambientes internos tão vivos, que facilmente a plateia se integra ao nada convencional do qual a protagonista agora faz parte. Isso de maneira orgânica, e sem deixar que a técnica de animação, ou excelência técnica se sobrepujarem ao cerne do enredo.
Dessa forma, contando com um roteiro que não deixa nada sobrando, Miyazaki vai contando uma história que poderia causar mais estranhamento do que envolvimento, mas que se complementa no visual, rico em detalhes, mas nunca chamando pra si qualquer protagonismo.
Com isso, sobram motivos pra que o espectador ao final da sessão se sinta gratificado pela experiência propiciada de vivenciar uma jornada fantástica, no que infelizmente tem se tornado no mainstream cada vez mais motivação pra emoções baratas, e CG abusivo.




Diante de um longa-metragem que nem esse, que mantém um ritmo fluido o tempo todo, sem momentos sem graça, ou correria excessiva, contando ainda com personagens bem construídos, a maestria de cada peça impulsiona empatia com o enredo e sua galeria de figuras incomuns, mesmo que as personalidades evidenciadas em cena não sejam idealizações de perfeição.
A transição da protagonista, aliás, é o grande trunfo da trama.
É fácil e muito agradável acompanhar o aprendizado de Chihiro, de guria mimada e resmungona, a alguém que aprendeu a valorizar a família, e passou por adversidades que a tornaram uma pessoa disposta a fazer algo pelo que quer, e não simplesmente tentar resolver as coisas garganteando.
No meio do processo, enquanto esbanja competência em suas escolhas narrativas, Miyazaki ainda tece algumas linhas a respeito de cobiça, e valores familiares distorcidos, enquanto a personagem principal cresce e traduz em si cada passo de uma epopeia que firmou com merecimento lugar de destaque na História do cinema.



Quanto vale: Dois Ingressos



A Viagem de Chihiro. Recomendado para: relembrar de um vencedor do Oscar que não deixou de parecer bom depois que o hype da premiação passou.


A Viagem de Chihiro
(Sen to Chihiro no Kamikakushi)
Direção: Hayao Miyazaki
Duração: 125 minutos
Ano de produção: 2001
Gênero: Aventura/Fantasia

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