Resenha: Ascensão de Cthulhu

Ascensão de Cthulhu
Leon Nunes, Romeu Martins, Carlos Patati, Duda Falcão, Marcelo Augusto Galvão, Artur Vecchi e Carlos Orsi (Org. Duda Falcão)
Ed. Argonautas 2014

H.P. Lovecraft é um dos autores mais cultuados do terror. Vítima de um cancro no intestino, morreu aos 46 anos, não sem antes deixar uma vasta obra literária. Atormentado por pesadelos e dores constantes, seus delírios serviriam como ponto de partida para vários de seus trabalhos.

Talvez a mais instigante e enigmática destas obras seja “O chamado de Cthulhu”, publicado pela primeira vez na revista Weird Tales em 1928. Cthulhu é uma entidade cósmica, um dos Grandes Antigos dos Mitos de Lovecraft (o termo “Mitos de Cthulhu” seria cunhado somente após a morte do autor pelo escritor August Derleth). Mais tarde, esta criatura misteriosa daria origem aos Mitos que, na verdade, representam uma coletânea não tão coesa de histórias criadas por autores que seguem os princípios criados por Lovecraft. Estes deuses antigos baseados em seres tentaculares influenciaram autores como Robert E. Howard, Stephen King, Neil Gaiman e Guillermo Del Toro.

Em terras tupiniquins, recentemente tivemos uma primeira experiência no desenvolvimento de contos com esta temática. A Editora Argonautas resolveu comprar a ideia de desenvolver uma obra baseada nos Mitos de Cthulhu e convidou sete autores para esta empreitada.

Com o nome de “Ascensão de Cthulhu” (Ed. Argonautas, 2014, 122 páginas), esta antologia apresenta uma bela coleção de contos que passeiam entre o grotesco e inominável.


A coletânea começa com “Velho Casarão”, de Leon Nunes. Ambientado em Porto Alegre, trata-se de um conto intimista, em primeira pessoa, com uma linguagem rebuscada, sem se tornar pedante. O protagonista luta contra seus demônios pessoais enquanto busca um significado para a própria existência. Um conto tipicamente lovecraftiano, com ênfase no psicológico.

“As Pontes de Prata”, do jornalista Romeu Martins, se passa eu sua terra natal, Florianópolis. Utilizando a geografia local como ponto de partida (uma escolha audaciosa e muito bem sacada), ele apresenta um policial que se vê as voltas com uma irmandade maligna e seus anseios funestos. Destaque para os chistes futebolísticos e a personalidade sarcástica do delegado.

Carlos Patati, como bom ilustrador, sabe como ninguém a força de uma imagem. Em “O Desenho da Criatura”, os mitos de Cthulhu retornam à sua força primeva: o chamado dos incautos, dos inconscientes e dos desesperados. Pelo traço de um desenhista de rua, a população desesperançada é reunida como em um rebanho, em um conto forte e muito bem escrito.

“Abismos Insondáveis” apresenta um detetive incauto que acaba se envolvendo em uma briga ancestral pela posse de um artefato que pode invocar os Deuses Antigos. Duda Falcão desenvolve um thriller de suspense, onde o terror permanece nas bordas, no que não é dito, nas possibilidades infindáveis. A narrativa é rápida e envolvente e o final, inquietante.


“O Despertar”, de Marcelo Augusto Galvão, mistura terror e ficção-científica, inserindo os Mitos de Cthulhu em uma esfera alienígena que não cairia mal aos olhos de Lovecraft. Mexendo com os medos mais íntimos de todos nós – o da perda de sua identidade ou daqueles que amamos –, o conto atravessa as páginas em uma velocidade alarmante. O final, perturbador, é um dos melhores da coletânea.

Artur Vecchi apresenta “Os Meninos do Menino Deus”, que faz um trocadilho com um dos bairros de Porto Alegre. Uma reunião de crianças desaparecidas é contada pelos olhos de um velho bêbado; e nada é mais perturbador do que crianças possuídas.

“Caos e Eternidade”, de Carlos Orsi, encerra a antologia. Trata-se de um pesadelo cósmico na forma de uma praga, onde os Deuses Antigos atuam como julgadores e carrascos da humanidade O conto é frio e desesperançoso, aparentemente influenciado pelos mitos das pregações teológicos que abundam nossa sociedade. O deserto da alma parece estar mais perto do que nunca.

Não há dúvida de que esta é uma obra audaciosa e muito bem-vinda ao cenário nacional. Ao combinar estilos tão diversos e ideias díspares em torno de um denominador comum como os Mitos de Cthulhu, a antologia consegue ser coesa em sua essência sem perder a individualidade de cada autor e cada história.

Se você é fã de Lovecraft ou de terror, é um prato cheio.

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ph'nglui mglw'nafh Cthulhu R'lyeh wgah'nagl fhtagn!

A.Z.Cordenonsi
Pai, marido, escritor, professor universitário 

Tem dois olhos divergentes e muito pouco tempo
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