Muito alardeado, Hulk foi mais
uma chance desperdiçada de emplacar um personagem de HQs, mas também
era o tipo de experimentalismo que não encontraria similar nunca
mais nas adaptações de quadrinhos.
Agora, quase 10 anos após sua
criticada versão do monstro verde, muito do que era acerto em 2003
retornaria em seu mais recente trabalho.
Em As Aventuras de Pi, no
entanto, sai de cena o experimental, e é substituído pelo
amadurecimento.
Afinal, depois de frequentar premiações
mundo afora, e de em 2007 realizar o impecável "Desejo e
Perigo", sem dúvida ele teria novidades no currículo.
No entanto, à primeira vista não.
Com
cara de drama edificante sobre uma vida de luta e superação
seguindo tendências com apelo para o grande público, não tem nada
errado com o início da jornada do protagonista (interpretado em
várias fases da vida por Gautam Belur, Ayush Tandon, Suraj Sharma na
maior part do filme, e por Irrfan Khan, quando o personagem é
adulto).
Mas se fosse outro diretor, era pra se
preocupar.
Contada de maneira correta, e criando
aquele envolvimento necessário rápido se conhece bem quem é o
centro da trama, e até por isso tem mais importância quando o ponto
de ruptura surge no roteiro.
Em uma sequência magistral, o agora
náufrago tem que lidar com uma situação que é uma das sinopses
mais inusitadas possíveis, quando enfim acaba recluso em um bote à
deriva com quatro animais de zoológico, dentre eles o tigre de
bengala Richard Parker.
Com significados novos a cada frame, a
fórmula de esperança a respeito da qual o roteiro é construída
apresenta sempre muito o que conjecturar, mesmo que não haja um
grande diálogo cheio de referências a cultura pop, entre Pi, e o
tigre.
Ainda assim, a dupla cria aquele tipo
de relação inesperada que, claro, lembra o porquê de a palavra Wilson
ter se tornado icônica após o filme “Náufrago” de Robert
Zemeckis.
E enquanto permanece turbulenta a
coexistência entre os dois protagonistas, Ang Lee se aproveita da
situação, e das ideias contidas no livro de autoria de Yann Martel
que ele adapta, pra realizar uma aula de uso inventivo de efeitos
especiais (absurdamente realistas, por sinal).
Assim, ele simula por vezes que seus
personagens estão navegando no ceu, ou voando no oceano, enquanto
imagens vão surgindo sobrepostas lembrando os bons momentos do
experimental Hulk de 2003.
E sem perder aquela característica de
sensibilidade que o acompanha e só faz bem à sua carreira, ele
concilia as reviravoltas do roteiro com o discurso sobre fé
onipresente, e sem deixar que a pieguice possa ser sequer associado
com o longa-metragem.
E enquanto fábula moderna, “As
Aventuras de Pi” investe forte em uma imersão do espectador na
jornada que faz com que as cenas, já surreais se filmadas de maneira
comum, ganhem outros contornos quando baleias e peixes voadores
surgem, e um show de luzes interage com o único ator no bote,
contracenando com animais digitais que em momento algum perdem o
realismo.
Com certeza que por não se tratar de
uma trama política arrastada, ou de uma pessimista visão sobre
qualquer coisa, ou mesmo um escracho super-hypado mergulhado em
referências e homenagens, “As Aventuras de Pi” acaba sujeito a ser
subestimado.
Deve ser realmente difícil levá-lo a sério
quando tem apenas duas horas e pouco, e suas pretensões permanecem
na simplicidade voltada à construção de um mundo fantástico que porém não ofusca seu protagonista.
O novo filme de Ang Lee é nada mais do que a poesia que faz falta ao cinema
atual, e é uma grata satisfação que esse filme exista.
Quanto vale:
As Aventuras de Pi
(Life Of Pi)
Direção: Ang Lee
Duração: 127 minutos
Ano de produção: 2012
Gênero: Drama / Aventura
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