Os Trombadinhas


O ano era 1979. Na época, assim como hoje, a atuação de menores infratores nas grandes cidades era um entrave social latente e que perturbava o cidadão de bem. Para sanar tal problema, as autoridades policiais não convocaram o auxílio especial do Chuck Norris, nem da SWAT, muito menos da S.H.I.E.L.D, mas sim… do Pelé!!!

Colocar o Pelé, o homem que tem mais de mil gols no currículo, como um paladino apto para combater o crime, essa é a ideia central do longa-metragem Os Trombadinhas, uma equivocada pérola do cinema nacional que atira para todos os lados, mas não acerta em nenhum. Para se ter uma ideia da lambança, Os Trombadinhas é uma mistura canhestra de filme policial, crítica social, ação e comédia (algumas vezes intencional e na maioria das vezes involuntária).

E imaginar que quem sentou na cadeira de diretor para comandar tal brincadeira foi o hoje finado Anselmo Duarte, talentoso cineasta brasileiro que, anos antes, foi o diretor do excelente O Pagador de Promessas.
Na trama, um cidadão cheio da grana chamado Fred, interpretado pelo veterano Paulo Goulart, decide tirar o maior número possível de crianças das ruas. Tal comportamento de bom samaritano nunca é explicado completamente pelo roteiro, mas o fato é que o cara recorre a ajuda de Edson Arantes do Nascimento, vulgo Pelé, o famoso camisa 10 da seleção brasileira de futebol. No entanto, Pelé não vai auxiliar a referida empreitada criando escolinhas de futebol ou elaborando projetos educacionais. Nada disso, ele atua ao lado da polícia protagonizando cenas de luta tão bem coreografadas quanto as jogadas ensaiadas do time de várzea do João da Padaria. E o mais legal é que nesse filme o rei do futebol interpreta ele mesmo. Pelé é simplesmente o Pelé, famoso atleta conhecido até entre uma tribo de beduínos do deserto e que, de um dia para o outro, decide lutar arduamente contra a bandidagem.


Ao auxiliar nas investigações, Pelé descobre o que é óbvio para todos: os menores infratores agem sob ordens de adultos mal intencionados. Nesse caso, o atleta e o seu parceiro de investigação, Bira (interpretado por Paulo Villaça), acabam por conhecer as entranhas do mundo do crime ao tentar desarticular uma quadrilha que está por trás do uso de menores para cometer delitos e, como se não bastasse, por tráfico de drogas.

No desenrolar da trama, é jogada aos ouvidos do espectador uma enxurrada de discursos de cunho social, o que oferece ao longa-metragem um evidente caráter panfletário. Todavia, se algumas dessas teses sociológicas são pertinentes, algumas, por outro lado, parecem estar ali meramente para encher murcilha. 


Aliadas aos discursos que visam “retratar a realidade”, é impossível não destacar as cenas de ação que transformam Os Trombadinhas em uma espécie de filme dos Trapalhões sem o quarteto de humoristas, tamanha é a canastrice das lutas. Tanto que em uma emblemática cena, o Jô Soares, digo, Pelé, utiliza suas habilidades futebolísticas para jogar uma arma para o seu parceiro tal qual um virtuoso atacante que efetua uma assistência.


Sobre a atuação do rei do futebol, é interessante constatar: Pelé, com a bola nos pés, elevou o esporte criado no país do Shakespeare ao status de arte, mas convenhamos, interpretar não é a arte dominada por Edson Arantes do Nascimento


Se o ex-craque do Santos e da seleção sabia cabecear, driblar, passar e chutar como poucos do seu tempo, vale destacar que no set de filmagem o cara não consegue citar uma frase sem conseguir sequer disfarçar que o texto foi decorado. Fato esse que torna quase impossível o espectador não cair na risada. E como se não bastassem as situações de comédia involuntária, o roteiro (escrito por Carlos Heitor Cony baseado em argumento do próprio Pelé) ainda arranja espaço para colocar um alívio cômico: um repórter interpretado pelo ator Nilton Micheli e que escapa das situações de perigo porque tem mais sorte que juízo. E tem mais: há uma participação curta da banda de hard rock Made in Brazil.

Enfim, Os Trombadinhas tem até uma ideia legal: misturar ação policial, um excelente diretor, um bom elenco de apoio e um famoso astro do esporte. Pena que tal ideia ficou parecendo aqueles times que só funcionam no papel e que quando entram em campo cometem as cagadas mais hediondas.

Recomendado para: Apenas aqueles que, assim como o Chaves, preferiam assistir o “filme do Pelé”.

Título: Os Trombadinhas
Diretor: Anselmo Duarte
Ano de Lançamento: 1979
Duração: 90 minutos
Gênero: Ação/Policial/Comédia


 

Prorrogação

Antes de encerrar de vez a postagem, vale lembrar que a relação de Edson Arantes com o cinema já é de longa data. Além dos documentários sobre o atleta: Pelé Eterno e Isto é Pelé, o ex-jogador apareceu em mais de uma obra de ficção. Ele já atuou no longa-metragem Pedro Mico (1985) e em um comédia com o Grande Otelo chamada O Barão Otelo no Barato dos Bilhões (1971). 

Há também os filmes A Marcha (1972) e Os Trapalhões e o Rei do Futebol (1986). Mas os mais curiosos são os filmes ao lado de estrangeiros, tais como Hotshot (1987), que é uma espécie de Karatê Kid do futebol, e também as parcerias com o ator e diretor John Huston, nos filmes A Minor Miracle (1983) e no Fuga para a Vitória (1981), que é um líbelo anti-guerra com Michael Caine e Sylvester Stallone no elenco. O legal desse Fuga para Vitória é ver o Pelé chamar o Stallone de perna-de-pau e depois ainda afirmar que o cara só serve para goleiro. 







A crítica, implacável como um zagueiro botocudo diante de um atacante magricelo, detona sem parcimônia a maioria desses filmes. Além disso, ver Pelé como ator é ter a certeza de que o cara felizmente optou por atuar nos gramados, não nos sets de filmagens.
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