O
cinema de ação sul-coreano é o meu preferido, e isso é algo tão
simples de avaliar que eu nem fico na dúvida quando penso sobre os
bons resultados eventuais lá de Hollywood.
Filmes
que nem “O Caçador”, A Trilogia da Vingança, “O
Hospedeiro”, “Sede de Sangue”, “Memórias de Um Assassino”,
“Cold Eyes”, “JSA: Zona de Risco" e um monte de outros são
consequência da consolidação de uma forma de fazer cinema que
privilegia roteiros não-infectados pela preguiça da muleta do CG,
ou das atuações caricatas (mesmo quando às vezes pelo costume
aceitamos chamar de “realistas”).
Mas da
filmografia acima não tem nada que seja pra estômagos satisfeitos
com o padrão dos blockbusters.
E se
alguém questionar a respeito da classificação típica de alguns
mencionados, que não seriam “filmes de ação”, é só por causa
de outra das características do cinema sul-coreano com a qual é
difícil o público ocidental se acostumar.
Pra
meros fins de classificação é comum atribuir a essas produções
os rótulos habituais do cinemão estadunidense, mas no geral, nenhum
deles se enquadra a essas definições, transitando entre os estilos
e gêneros sem a necessidade do interesse romântico, ou do alívio
cômico. A história acontece, e eventualmente vai passar por algum
momento mais humorado, ou mais emotivo, ou puro gore, o que não o
determina enquanto esse tipo de cinema ou aquele.
Quem
sabe por isso o remake do Oldboy tenha nascido pra ser lixo,
mas aí já é outro assunto.
A
respeito de “I Saw the Devil” do diretor Kim Jee-Woon,
o que posso dizer é que ele se enquadra muito bem no que eu descrevi
acima.
Trata-se
de uma história de serial killer, e de vingança, com gore, com
brutalidade, em uma trama com ares
de cinema policial, mas conforme eu disse acima, é ingenuidade concentrar nos rótulos, e não no filme.
de cinema policial, mas conforme eu disse acima, é ingenuidade concentrar nos rótulos, e não no filme.
Enquanto
mergulha numa jornada quase fetichista de tortura e retaliação, o
protagonista interpretado pelo Byung-Hung Lee vai perdendo a
humanidade ao defrontar o serial killer Kyung Chul (interpretado
pelo Choi Min-Sik).
Ambos
os atores, pra quem possa ter deixado passar esse detalhe, já
trabalharam com um dos mestres desse tipo de cinema não-convencional:
Chan-Wook Park.
Choi
Min-Sik protagonizou “Oldboy”, e atuou também em
“Lady Vingança”, enquanto que Byung-Hung Lee foi
figura central no elenco de “JSA: Zona de Risco”, além de
ter trabalhado no segmento “Cut”, de "Three... Extremes" (Saam Gaang Yi). São dois baita atores, e até por isso vê-los
em um jogo de gato e rato mais visceral do que se imaginava possível
é na certa algo que já vale a sessão.
Sem
heroísmo, mas sim a necessidade de aplicar o pior castigo possível
no psicopata que “caça” mulheres durante a noite, o agente
especial Kim Soo-Hyeon decide não se limitar a espancar e matar o
seu algoz.
Assim, as expectativas se invertem (mais de uma vez), enquanto os papeis de caçador e caça vão sendo subvertidos.
Assim, as expectativas se invertem (mais de uma vez), enquanto os papeis de caçador e caça vão sendo subvertidos.
Imerso
em um inicial controle absoluto da situação, Soo-Hyeon nem percebe que suas ações têm conseqüência muito além do que
esperado, e que ele aos poucos vai se tornando alguém muito mais
parecido com seu inimigo, do que com um defensor da justiça.
E Choi Min-Sik é um dos vilões mais brutais e desgraçados da história do cinema. Não há o que questionar quanto a isso.
Capaz
de matar pelo simples fato de que é mais fácil do que fingir o
diálogo. Utilizando a máxima violência pra obter qualquer coisa, e
sem menor interesse em cogitar o valor da vida alheia, ele é um
assassino que vai além de tentativas de explicá-lo ou compreender
seus motivos.
Um
daqueles que deforma a visão do espectador sobre a justiça a ser
aplicada a ele, porque o próprio roteiro do filme faz questão de
trabalhar além do limite do aceitável, e nos diálogos essas
questões surgem e trazem os pormenores que habitam a mente do
protagonista. A vingança dele é planejada pra não ser algo
convencional, e isso conduz o filme pra um caminho completamente
inesperado.
E
quando a gente se acostuma com isso, e pensa saber no que vai
resultar, a história desvia pra outro rumo, utilizando tudo que
aconteceu antes apenas enquanto construção pra um ato final intenso
e perverso até o osso.
O
filme não requer a enxurrada de efeitos especiais pra se manter, e
conta apenas com o roteiro e atuações, fazendo lembrar “Os Suspeitos” (com o qual compartilha a necessidade de algumas poucas coincidências e atalhos no roteiro), ainda que opte pela estilização realista da agressão, algo bem exemplificado
pela ao seu modo bastante artística sequência do táxi.
O
desfecho da história pode não agradar todo mundo. Capaz de não
agradar ninguém.
No
entanto, o protagonista não sendo um herói, não seria de se
estranhar quando as conseqüências do que ele faz acabam
desencadeando uma enxurrada de violência e mutilação
desconcertante.
Isso
sem virar a câmera nos momentos mais brutais, a não ser quando o diálogo com o que não é mostrado apenas
enriquece a experiência.
“I
Saw the Devil” não é nada que vá te deixar com um sorriso no
rosto, empolgado com a luta do audaz justiceiro que vai até as
últimas alternativas pra punir o vilão, mas só porque nesse enredo
em que violência só provoca muito mais violência, e em que o
protagonista apresenta um tipo “heroísmo” bem mais doentio do
que estamos acostumados, o objetivo nunca foi esse.
I Saw
the Devil. Recomendado para: repensar toda e qualquer predefinição
do tipo de punição que um vilão tem que receber.
I
Saw the Devil
(Akmareul
Boatda)
Direção:
Kim Jee-Woon
Duração:
141 minutos
Ano
de produção: 2010
Gênero:
Thriller/Policial/Suspense/AçãoSign up here with your email
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