Keoma (1976)



Pense em um gênero cinematográfico de um fascínio tão amplo no público a ponto de, mesmo décadas após o fim de sua era, ainda ser capaz de influenciar inúmeros cineastas, inspirar replicações de suas características em vários países, ainda conquistando fãs, e o mais impressionante: contribuir pra que por saudosismo numerosas plateias viessem a ignorar as tantas cagadas do filme “Django Livre”, do Tarantino.
Esse é o western, ou faroeste, ou “filmes de bangue-bangue”, pros que assim preferirem nomear, que em uma análise superficial costuma ser resumido em filmes de “mocinho e bandido”, ainda que, obviamente, tenha conseguido ir bem além disso.
Filmes que nem o “Keoma”, tema dessa postagem, não necessariamente pervertem o que se conhece por western, mas com certeza trazem muito mais que o visível na superfície.



Quem sabe, dos faroestes de longa data, esse possa ser um dos mais facilmente visados pelo público recente do gênero, exatamente por trazer o nome de Franco Nero estrelando a produção, que por mais que surpreenda muitos, não protagonizou apenas o clássico “Django”, do Sergio Corbucci.
Um de seus tantos outros trabalhos foi este “Keoma”, que é considerado por muitos um dos últimos bons westerns da era dos westerns.
No filme ele interpreta o mestiço personagem-título, que por sua ascendência indígena viveu na condição de bastardo em uma sociedade que sempre fez questão de jogar isso na cara dele.
Mas nada disso nos é apresentado de uma vez.
O clima fantasmagórico do começo mostra um alquebrado protagonista, após uma grande guerra, que retorna à sua terra com algum ímpeto não claro, mas que tem grandes chances de resultar em vingança.
A condução do diretor Enzo G. Castellari não é nada convencional enquanto apresenta um enredo que poderia ser simples e batido.
Cada cena tem um estilo forte, o que ajuda pra que qualquer opinião formada se desfaça logo, a respeito roteiro.
Ainda que tenha sim tiroteios, vingança, e outros elementos comuns aos faroestes, este é um exemplar diferenciado.


Eu poderia nesse ponto elogiar com fervor a trilha sonora perfeita e impactante, com temas que trazem um ar melancólico à narrativa, ou os tiroteios coreografados com precisão, e que em câmeras lentas bem empregadas tornam-se momentos poéticos e violentos, e que são com certeza alguns dos pontos altos da jornada de Keoma.
Porém, prefiro mencionar que juntamente com o roteiro bem amarrado e intensidade das atuações, esses elementos todos funcionam de uma forma harmoniosa que supera uma avaliação de um deles individualmente.
Se em um blockbuster cotidiano de hoje em dia muitas vezes o que o torna pelo menos razoável são os efeitos, ou a atuação de um ator isoladamente, ou apenas a direção de fotografia, sendo que o restante constrange pela comumzice, “Keoma” é um baita exemplo de excelência na utilização dos recursos que o diretor põe em prática.
Mesmo quando em um embate detalhes simples como a contagem de balas disponíveis na pistola, já marcando a quem elas estão endereçadas é feita com criatividade sendo mais interessante que muitos duelos inteiros, ou quando em uma briga de rua os atores parecem estar dominados por uma fúria legítima e que resulta em uma pancadaria sem frescuras ou poses heróicas a cada golpe, o somatório de intensidade se sobressai, porque não são aspectos que funcionam somente individualmente.
Enquanto obra de ação muito intensa, não deixa isso estar acima da busca do espectador por quem é o protagonista e o que o motiva.
As respostas aparecem aos poucos, sem enrolação, e no final do filme realmente é possível compreender as atitudes dos envolvidos, seja por ambição, vingança, desprezo, rancor, ou culpa.


Conforme eu já deixei dito acima, “Keoma” não é uma quebra de paradigmas cinematográficos.
Melhor não assistir esperando isso.
Ainda é a história do anti-heroi pistoleiro que vaga solitário rumo a uma espiral de matança.
Mas o que diferencia é saber usar tudo à disposição pra tornar essa história não apenas mais uma, e sim uma história que permanece com quem assiste mesmo quando não é indicada ao Oscar, ou não bate a marca de bilheteria tal.
Um verdadeiro e poderoso filme, e não um videoclipe no qual apenas o visual e exageros importam.
Por isso, se os westerns ainda influenciam e cativam, “Keoma” com certeza tem sua parcela de responsabilidade quanto a isso.


Quanto vale:


Keoma. Recomendado para: quem não quer ver um arremedo interessado apenas em homenagear o gênero. Pra quem quer ver um bom western.

Keoma
(Keoma)
Direção: Enzo G. Castellari
Duração: 105 minutos
Ano de produção: 1976
Gênero: Faroeste/Ação

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