Bedevilled (2010)



Nos cenários frequentemente montados por diretores sul-coreanos, algumas certezas se estabelecem e dão o tom de expectativa quanto a seus trabalhos.
Não raro os personagens são possuidores de um padrão de moralidade um tanto torto pra olhos ocidentais, além de gêneros cinematográficos diferentes serem aliados, e claro, sempre existem chances de terminar tudo em matança desenfreada e desinibida.



Por isso que o espectador já começa a assistir Bedevilled meio com o pé atrás.
Simplesmente porque é possível que qualquer coisa aconteça.
Tanto pode se tornar um espetáculo de artérias rompidas, quanto ousar em algum outro subgênero de cinema.
Na história dirigida pelo Cheol-Soo Jang, a protagonista Hae-won (interpretada pela Seong-won Ji) vive um momento de crise na vida profissional e pessoal, que acaba catalisando uma busca pelas suas origens, ou por uma semana longe da loucura da cidade grande, ou ambos.
Por isso que ela vai pra minimamente povoada ilha em que cresceu, e reencontra seu passado.
O lance é que o presente da mentalidade da população da ilha é um choque abismal com a pessoa que ela é hoje.
Dentre os seus pouquíssimos habitantes, apenas a amiga de infância Bok-nam (Yeong-hie Seo) demonstra desconforto com o machismo brutal que rodeia as decisões e frases emitidas pelos habitantes.
A personagem dela, mais do que Hae-won, é quem coordena o que o filme vai desbravando aos poucos, até que uma inversão de protagonismo joga na cara da plateia um furioso discurso de rebelião contra o status quo vigente.



Mesmo que isso que eu disse corra um certo risco de indicar um filme todo cult, e de experimentos para agradar críticos que são "melhores que os cineastas", Bedevilled ainda é a roupagem mais tradicional, de filme que apresenta personagens, ambientação, motivações, quem eles eram e porque são o que são agora, pra depois desferir um clímax cheio de momentos de desconforto.
Pra funcionar, além do roteiro sutilmente ofensivo a públicos sensíveis, e da direção desprovida de qualquer pressa, o seu elenco precisou de uma entrega aos personagens que pro cinema sul-coreano é algo habitual, mas ainda deixa embaçada a linha entre ficção e realidade se comparado ao corriqueiro em Hollywood.
Graças principalmente à intérprete de Bok-nam, Bedevilled fica mais intenso a cada nova pequena revelação a respeito do cotidiano da ilha, terminando por explodir no ato final que desempenha de vez a mescla de gêneros de cinema.
Tudo bem feito, e eficaz.
Visceral por falta de outra palavra menos repetida, mas ainda assim a palavra mais indicada, frente a um misto de amargura e cenas extremas, que não deixam de representar de forma bastante artística o que o diretor explora de maneira visual traduzindo a devastação psicológica de seus personagens.


Ainda que se prolongue a ponto de ganhar algumas cenas menos coerentes com o restante da produção, e que nesse ponto o enredo tenha precisado fazer maiores concessões pra que as ideias fossem narradas, Bedevilled ainda é o tipo de trama bem amarrada no geral, e de intensidade que seria muito legal caso virasse padrão no ocidente, também.
O diretor Cheol-Soo Jang tornou o que seria uma história ignorável, em uma obra repleta de criatividade somada a um sub-texto envolvente.
Mais uma pequena lição da produção de cinema de ação de um país que não sem motivo é a melhor do mundo.


Quanto vale:


Bedevilled. Recomendado para: ser o drama de viés feminista menos romanceado que você vai ver.

Bedevilled
(Kim Bok-Nam Salinsageonui Jeonmal)
Direção: Cheol-Soo Jang
Duração: 115 minutos
Ano de produção: 2010
Gênero: Drama/Ação/Suspense

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