Nos
cenários frequentemente montados por diretores sul-coreanos, algumas
certezas se estabelecem e dão o tom de expectativa quanto a seus
trabalhos.
Não
raro os personagens são possuidores de um padrão de moralidade um
tanto torto pra olhos ocidentais, além de gêneros cinematográficos
diferentes serem aliados, e claro, sempre existem chances de terminar
tudo em matança desenfreada e desinibida.
Por
isso que o espectador já começa a assistir Bedevilled
meio com o pé atrás.
Simplesmente
porque é possível que qualquer coisa aconteça.
Tanto
pode se tornar um espetáculo de artérias rompidas, quanto ousar em
algum outro subgênero de cinema.
Na
história dirigida pelo Cheol-Soo Jang, a protagonista Hae-won (interpretada pela Seong-won Ji) vive um
momento de crise na vida profissional e pessoal, que acaba
catalisando uma busca pelas suas origens, ou por uma semana longe da
loucura da cidade grande, ou ambos.
Por
isso que ela vai pra minimamente povoada ilha em que cresceu, e
reencontra seu passado.
O
lance é que o presente da mentalidade da população da ilha é um
choque abismal com a pessoa que ela é hoje.
Dentre
os seus pouquíssimos habitantes, apenas a amiga de infância Bok-nam (Yeong-hie Seo) demonstra desconforto com o machismo brutal que
rodeia as decisões e frases emitidas pelos habitantes.
A
personagem dela, mais do que Hae-won, é quem coordena o que o
filme vai desbravando aos poucos, até que uma inversão de
protagonismo joga na cara da plateia um furioso discurso de rebelião
contra o status
quo vigente.
Mesmo
que isso que eu disse corra um certo risco de indicar um filme todo
cult, e de experimentos para agradar críticos que são "melhores
que os cineastas", Bedevilled
ainda é a roupagem mais tradicional, de filme que apresenta
personagens, ambientação, motivações, quem eles eram e porque são
o que são agora, pra depois desferir um clímax cheio de momentos de
desconforto.
Pra
funcionar, além do roteiro sutilmente ofensivo a públicos
sensíveis, e da direção desprovida de qualquer pressa, o seu
elenco precisou de uma entrega aos personagens que pro cinema
sul-coreano é algo habitual, mas ainda deixa embaçada a linha entre
ficção e realidade se comparado ao corriqueiro em Hollywood.
Graças
principalmente à intérprete de Bok-nam, Bedevilled
fica mais
intenso a cada nova pequena revelação a respeito do cotidiano da
ilha, terminando por explodir no ato final que desempenha de vez a
mescla de gêneros de cinema.
Tudo
bem feito, e eficaz.
Visceral
por falta de outra palavra menos repetida, mas ainda assim a palavra
mais indicada, frente a um misto de amargura e cenas extremas, que
não deixam de representar de forma bastante artística o que o
diretor explora de maneira visual traduzindo a devastação
psicológica de seus personagens.
Ainda
que se prolongue a ponto de ganhar algumas cenas menos coerentes com
o restante da produção, e que nesse ponto o enredo tenha precisado
fazer maiores concessões pra que as ideias fossem narradas,
Bedevilled
ainda é o tipo de trama bem amarrada no geral, e de intensidade que
seria muito legal caso virasse padrão no ocidente, também.
O
diretor Cheol-Soo Jang tornou o que seria uma história ignorável,
em uma obra repleta de criatividade somada a um sub-texto envolvente.
Mais
uma pequena lição da produção de cinema de ação de um país que
não sem motivo é a melhor do mundo.
Bedevilled. Recomendado para: ser o drama de viés feminista menos romanceado que você vai ver.
Bedevilled
(Kim Bok-Nam Salinsageonui Jeonmal)
Direção: Cheol-Soo Jang
Duração: 115 minutos
Ano de produção: 2010
Gênero: Drama/Ação/Suspense
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