Sem maiores preocupações com relação ao que se pensa dele,
Takeshi Kitano construiu uma fanbase das mais sólidas,
seguindo o diretor em suas ousadias e formas particulares de mesclar
seu estilo a tramas diversas.
Muito ainda carrega a crueza e aspecto de mundo áspero, de morte
certa, mesmo que se aproveite ou lucre um tanto antes dela.
Essa forma de retratar o mundo torna suas obras herméticas em uma
tentativa desesperada de seus personagens de encontrar algum
significado nisso enquanto a cortina não se fecha, pra no momento
final encarar sem pestanejar um lampejo de disparo, punhalada, ou o
que quer o roteiro lhes reserve.
“Outrage” é dos trabalhos mais recentes do diretor, e
nesse filme, o estopim pro turbilhão de morte e flagelo é imediato.
Poucos minutos bastam pra que um favor seja pedido a Otomo (Kitano), e se inicie um carnaval de mutreta,
politicagem, e matança.
Tudo se resume a jogadas, pedaladas, e promessas de aliança que se
convertem e lorota quando um rival do aliado chega.
Com isso, a turba de mafiosos interpretados pelo elenco vive dias
movimentados entre os irmãos juramentados chefões irmãos juramentados, cada um chefiando uma região sob o comando do
presidente da família à qual pertencem.
Otomo é apenas um yakuza mais graduado, e todos eles, e mais
alguns, enxergam no que se inicia lá no pedido inicial, uma chance
de os reis irem caindo pro comando ir desse modo trocando de mãos.
Isso é justificativa mais que suficiente pra que os subalternos de
nível mais baixo começarem a ser mortos, dedos sejam cortados, e
rostos retalhados. Tudo encarado como problema administrativo de
solução relativamente simples.
O problema é que o preço a ser pago por isso vai ficando alto, e
vai chegar o momento em que os líderes, outrora intocáveis, também
tenham seus pescoços sob risco.
O cineasta, que novamente roteiriza e edita seu filme, não faz muita
questão de ser sutil, e no caso de “Outrage” isso passa
um pouco do ponto.
Não por causa da violência, ou algo assim.
Está novamente adequado ao contexto da trama.
O excesso é pela ausência de um desenvolvimento suficiente dos
personagens, o que torna muitos dos momentos de agressão algo bem
próximo do pastiche. E ainda que o senso de humor exista na
filmografia de Kitano como elemento forte, dessa vez ele torna
muitas cenas apenas inócuas. Uma colagem de sequências de
assassinato postos em prática de formas criativas, mas sem muito
impacto.
Por um trecho considerável do segundo ato do filme, é difícil
reconhecer a assinatura autoral do cineasta, ainda que ela esteja sim
presente.
No entanto, as coisas se acertam exatamente quando começam a sair
errado.
Ao passo em que a tramoia piora em se tratando de suas consequências,
e peões vão sendo derrubados a rodo, enquanto a faca se aproxima de
suas lideranças, foge da mente a conversa a respeito de cassinos, e
outras estratégias pra ganhar dinheiro.
É só nesse ponto que o diretor se encontra perfeitamente
confortável pra regar com muito tiro na cara, granadaço, e
esfaqueamento a sua versão do ambiente competitivo de negócios da
yakuza.
“Outrage” pode não ter o viés dramático de “Hana-Bi: Fogos de Artifício”, em que toda cena de violência vinha
alicerçada por um significado que agregava ao poético filme, ou não
estabelecer vínculos fortes entre os personagens essenciais pra que
fosse marcante tal qual “Brother”.
Mas Beat Takeshi ainda se mostra entendedor do seu próprio
modo de fazer cinema, ao menos o bastante pra que esse ainda seja um
filme divertido de assistir, apesar de uma sensação de vazio em
muito do que integra a escalada de violência que determina o rumo de
seus personagens.
Muito menos do que o ápice de seu realizador, “Outrage”
ainda garante aos fãs do gênero uma boa sessão de cinema com jeito
de filme feito mais de década atrás.
Outrage.
Recomendado para: perceber que no crime há tanta politicagem,
quanto há crime na política.
Outrage
(Autoreiji)
Direção:
Takeshi Kitano
Duração: 109 minutos
Ano
de produção: 2010
Gênero:
Ação
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