INDOMÁVEL SONHADORA (2012)



É comum dentre os indicados ao Academy Awards haver uma cota de filmes com teor piegas em historias batidas a respeito de redenção.
Faz parte do pacote, e é um pouco do que cria essa imagem de festa comercial que muita gente não leva a sério.
Claro que, quando se ouve falar de um filme que traz por título "Indomável Sonhadora", o organismo já se prepara para sobreviver a uma alta dose de açucar proveniente da tela em cenas de doçura elevada.


Ao assistir "Indomável Sonhadora", filme de estreia do diretor Benh Zeitlin, no entanto, percebe-se de imediato um erro brutal de escolha de título nacional para um filme, mais uma vez.

Afinal, não há muito em "Indomável Sonhadora" que possa ser próximo de "Beasts Of the Southern Wild", nome original do longa-metragem.
Fosse uma tradução ligeiramente parecida com o título em inglês, não seria tão inesperado o contexto desolador, quase pós-apocalíptico encontrado ao redor da protagonista.
O pântano até onde se enxerga é chamado de "A Banheira".
Assim sendo, uma guria surge em meio ao charco de lodo transitando entre figuras muito confortáveis no tal local, em que o maior luxo material é um teto.

O retrato feito pelo coletivo Court 13 é cru, impactante, e ao seu modo, poético.
A poesia está principalmente (mas não apenas) nas palavras de sua protagonista, a pequena Hushpuppy, interpretada pela atriz-mirim Quvenzhané Wallis.
Pelas lentes do diretor Benh Zeitlin, o fantástico e o real coexistem de maneira harmonioso.
Afinal, se da mente de Hushpuppy emergem feras gigantescas, a cinematografia permanece sempre aspecto documentarial, vislumbrando a paisagem lúgubre da Lousiana.

O filme, aliás, tem esse aspecto contemplativo como característica muito forte, e mesmo os diálogos são relativamente muito poucos.
Ainda assim, nessa historia sobre sobrevivência, mais do que superação, há o bastante para desenvolver a sua protagonista.
Um elemento fundamental para isso é o pai da menina.
O personagem Wink (excelente interpretação de Dwight Henry), é uma figura paterna em desequilíbrio, alternando momentos de aparente desinteresse, com outros de uma ternura peculiar. As emoções expressas acabam sempre tendo uma carga de agressividade, e não há no filme jamais as esperadas reações típicas do elenco, o que não é de se condenar, afinal, o ambiente à volta não é propício para os maneirismos hollywoodianos costumeiros.

O ambiente de miséria torna-se um personagem de destaque, e eu só não me atrevo a dizer que é o personagem principal, pois eu poucas vezes me surpreendi com a performance de um ator quanto o que ocorreu ao conferir a soberba atuação da menina Quvenzhané Wallis.
Não sem motivo ela tem sua indicação ao Oscar de melhor atriz, e com plenas chances de ser premiada.
Sem hesitar, ela entrega uma força indescritível interpretando quem narra e conduz a trama aparentemente simples até demais. Acontece que, o relacionamento de pai e filha funciona com tamanha maestria, e a protagonista é de um primor tamanho em seu trabalho, que ganha profundidade cada minuto de close, ou breve fala proferida pela estreante atriz.
O elenco todo, aliás, é integrado por atores não-profissionais, da própria comunidade em que a historia foi filmada.

Vivendo do questionamento "fugir ou não da tempestade" todos os habitantes do local convivem no cenário desolador com abraçando um entendimento em comum das liberdades que essa sub-vida confere.
É nesse ambiente que, no ritmo lento da cadenciado da narrativa, a pequena Hushpuppy vai aprender as lições que não seria esperado de uma criança de 6 anos ter que lidar, o que ela acaba fazendo com o uso de imaginação, o que se mistura com a realidade sem descambar para efeitos especiais multicoloridos.
A sobriedade do enredo, e o clima naturalista de filmagem continuam mesmo em meio à poesia fantástica dita em off emoldurando as aparições das feras que trazem muitos outros significados para a trama.


Forte e audacioso, e primeiro filme de todos os envolvidos, é uma obra em que o aspecto artístico está em primeiro plano, sobrepujando os pré-conceitos que a sua sinopse pode provocar, e parecendo um grito preso na garganta que acaba de ganhar corpo sendo capaz de se fazer ouvir.
E nunca recaindo no melodrama fácil, "Indomável Sonhadora" é muito mais do que a historia de superação que seu título brasileiro sugere.
Aqui o assunto é sobrevivência, e enxergar vida onde parece que ela já não há.

Quanto vale: 



Indomável Sonhadora
(Beasts Of The Southern Wild)
Direção: Benh Zeitlin
Duração: 93 minutos
Ano de produção: 2012
Gênero: Drama/Fantasia

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3 comentários

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Anónimo
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15 de janeiro de 2013 às 16:27 delete

Me interessei por esse filme. Deve ser legal!
Já comentei isso com o Fernando, continuem com o blogue.

Isadora

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Marcel Ibaldo
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15 de janeiro de 2013 às 19:27 delete Este comentário foi removido pelo autor.
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Marcel Ibaldo
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15 de janeiro de 2013 às 19:29 delete

Na verdade, eu não me interessei pelo filme e assisti somente pelo compromisso com o Satélite Vertebral.
Mas assim descobri mais essa surpresa da minha trajetoria cinéfila.
Esse é melhor que muitos que eu já vi concorrer a Melhor Filme porque alguém confundiu a grafia de "Melhor Filme" com "Melhores Efeitos Especiais".

Valeu pelo comentário, Isadora.

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