RESENHA: PUNK ROCK JESUS, DE SEAN MURPHY


Punk Rock Jesus definitivamente não é uma obra para fanáticos religiosos, sejam a favor ou contra a existência de Deus. Escrita e desenhada por Sean Murphy, foi uma minissérie do selo de quadrinhos adultos Vertigo, publicada originalmente em seis edições entre setembro de 2012 e janeiro de 2013. Sua premissa é simples: em 2019, um reality show chamado J2 resolve clonar o DNA de Jesus Cristo do Santo Sudário, e televisionar o nascimento e crescimento do clone do salvador, batizado de Chris. Quando ele cresce, ao longo da minissérie, abandona os ensinamentos cristãos e se torna um punk-rocker anarquista.


Primeira coisa que me veio a cabeça enquanto lia: que ideia foda. Quando se consegue bolar uma premissa tão original para uma história, tem que se esforçar bastante para não resultar em uma obra minimamente agradável. Felizmente o autor não ficou usando seu enredo polêmico como muleta narrativa, e realmente criou um universo coeso, com personagens tão interessantes quanto Chris.

Conhecemos a história pelos olhos de Thomas Mckael, o chefe de segurança do reality show e ex-agente do IRA (Exército Republicano Irlandês, um grupo paramilitar cristão que luta para separar a Irlanda do Norte do Reino Unido e reanexar-se à República da Irlanda). É muito interessante a visão que o autor passa do conflito no Reino Unido, dos motivos que fizeram Thomas desertar o IRA e na sua crença em Chris. É neste personagem que fica mais claro a dúvida do mundo inteiro, entre acreditar que o garoto é realmente o salvador ou apenas um menino que teve o azar de nascer no lugar e na hora errada.


Entre os outros personagens relevantes da obra, temos a Dra. Sarah Epstein, a geneticista responsável pela clonagem e também uma das protagonistas; Gwen, a virgem escolhida para ter seu óvulo fertilizado e ser a mãe de Chris, que assume um papel importantíssimo na obra; e finalmente Slate, o empresário por trás do programa, que não dá a mínima pra religião e só quer desembolsar a grana gerada pela polêmica. Todos eles, entre as seis edições, possuem espaço suficiente para terem suas personalidades e motivações bem desenvolvidas.

A arte também é  única e merece seu destaque. Toda a minissérie, excluindo as capas, é desenhada em preto e branco. Sean Murphy é originalmente um desenhista, e este foi sua estreia como escritor. Para quem já o conhecia de obras como Vampiro Americano e Joe, o Bárbaro, sabe que seu traço é extremamente detalhista, adicionando mais algumas camadas de complexidade à obra.


Talvez o ponto principal da minissérie seja a discussão que traz. O autor declarou em entrevistas que veio de uma família católica, e foi durante parte da sua vida um religioso devoto, até em certo ponto virar ateu. Ao contrário do que isso possa parecer, sua obra não pretende ir contra nenhuma religião nem pregar o ateísmo. É contra qualquer forma de fanatismo que Punk Rock Jesus constrói seus melhores momentos, exemplificados aqui em um diálogo entre Chris e Thomas:

- Sei que você quer que exista uma finalidade e um significado profundo para tudo isso valer a pena. Mas acredite, o mundo faz muito mais sentido se você parar de pensar desse jeito. A religião fez isso com você. Religião é o que eu estou tentando deter.

- O idealismo cego fez isso comigo. E está fazendo com você. Ainda há tempo de um de nós fazer a paz.

Pela premissa original, a arte fantástica e a coragem em tratar temas delicados, Punk Rock Jesus é uma série que recomendo para qualquer leitor maduro o suficiente. Publicada pela Panini entre março e setembro de 2013 na revista mensal da Vertigo no Brasil, também teve uma tradução feita pela equipe do blog Vertigem Hq.



Recomendado para: quem tem a curiosidade de conferir um sci-fi religioso - seja lá o que isso signifique.

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