Desde o fim de Breaking Bad, não se via uma animação tão grande para uma série quanto houve ultimamente com True Detective. Ainda mais surpreendente se considerarmos que esta foi a temporada de estreia da série policial/suspense da HBO.
Mas deixá-la apenas com estes dois rótulos é um desperdício. True
Detective é sobre quebrar as expectativas que uma série de
televisão baseada em investigação de crimes deve conter.
Apesar
do primeiro episódio nos mostrar o crime que servirá de enredo para
toda a série, logo percebemos que a história não é sobre o assassinato com requintes satânicos. É tudo sobre Rustin “Rust” Cohle (Matthew McConaughey, oscarizado por "Clube de Compra Dallas") e Martin Hart (Woody Harrelson),
os protagonistas. Sim, até o último episódio descobrimos todos os
detalhes da investigação e o seu fechamento. Mas é o
desenvolvimento e amadurecimento que os protagonistas passam durante os quase 20 anos de investigação que rouba toda a atenção. Novamente, é uma série
sobre personagens, não sobre crimes
"E como muitos sonhos, há um monstro no fim dele" |
Martin Hart faz o papel daquele detetive simples e "valentão", com seu sotaque característico. Ele se denomina um sujeito simples, que ama a família - um homem de bem. Ao longo da série, vemos todos seus pilares caírem, um a um. Marty, apesar de viver a sombra de seu parceiro na preferência do público, é um personagem muito interessante, principalmente pelo seu desenvolvimento ao longo dos episódios ser mais explícito.
Rust Cohle é o centro gravitacional da trama. É dele que saem as pistas que levam o caso a frente, que os melhores diálogos surgem e que os conflitos transitam. Rust é um homem destruído após uma tragédia familiar, e passou quatro anos como agente infiltrado da divisão de narcóticos antes de ser transferido para a de homicídios. Extremamente pessimista (ou realista, nas suas palavras), não tem família nem amigos - nem móveis dentro de sua casa. Dedica sua vida a resolver o crime, pois é a única razão de ainda estar vivo.
E é basicamente na visão destes personagens que acompanhamos a investigação, que se desenrola em três linhas do tempo: 2012, com o depoimento dos protagonistas (já afastados da polícia) para investigadores que reabriram o caso; 1995, com a explicação de como pegaram o assassino; e 2002, quando explicam o rompimento entre eles e o rumo que suas vidas tomaram. Poderia ser confuso, mas essa "dança" entre as linhas do tempo acontece de forma muito orgânica, se tornando simples de acompanhar.
"Homem é o animal mais cruel" |
Elogiar suas qualidades técnicas é chover no molhado, ainda mais por ser uma série da poderosa HBO. Sim, o mistério é envolvente. Sim, há (poucas) cenas de ação extremamente competentes. Sim, os cenários e paisagens são deslumbrantes. Sim, a atuação dos protagonistas é do mais alto nível. Mas tudo isso já era esperado de uma série mainstream que atingiu tantos elogios. Vamos falar de seus reais diferenciais.
True Detective é um esforço muito corajoso (para o mainstream) de imprimir um ritmo mais literário nas produções televisivas. O foco nos protagonistas - e praticamente apenas nos protagonistas, os diálogos filosóficos e a vontade expressa de mostrar o que se passa dentro da cabeça dos detetives, aproximam o roteiro de um romance literário, ao invés de uma série nos moldes das que vemos atualmente.
O ritmo das investigações, as vezes lento para dar mais espaço para a vida de Marty e Rust, ajuda a comprovar essa opção, dado a complexidade e o conteúdo acrescentados a ambos até o fim dos oito episódios. Claro que tudo isso seria em vão caso o crime que os une não fosse interessante. Mas, felizmente, esta parte do enredo é muito bem executada, com poucos mas interessantes plot twists para jogar a investigação para frente.
Colocando tudo em balanço, a pergunta verdadeira não é quem seria o misterioso The Yellow King. Mas sim quem realmente são Martin Hart e Rust Cohle.
Também o fato de funcionar como uma história fechada, em seus oito episódios (a próxima temporada contará outra história, com outros personagens e atores), ajuda elevar o clima tenso que envolve a investigação, já que não dá para ter certeza dos destinos de nenhum personagem. Dá para contar nos dedos os momentos mais "engraçadinhos", pois toda a temporada é envolta em um ar sombrio e pessimista. E para isso não usa de violência gratuita ou de elementos gore. Há cenas mais pesadas e perturbadoras, mas a aposta é em outra coisa.
São nos diálogos sobre traficantes que injetam drogas em crianças, sobre drogados que colocam o filho para secar no microondas e, finalmente, sobre o assassino que rapta crianças para rituais satânicos, que entendemos a mensagem que True Detective quer passar. Como a imagem do post indica, o homem é o mais cruel dos animais, capaz de qualquer coisa.
E a chave para a sobrevivência neste mundo é a jornada que os detetives precisam percorrer. Marty precisa conhecer quem ele é e aceitar seus fracassos. Rust precisa sair do círculo de sofrimento e autodestruição e encontrar a luz em sua vida. E, por mais angustiante que isso seja, em nenhum momento a série indica que isto vai acontecer.
Por dar um sopro de novidade nas séries policiais já saturadas, por ter a coragem de experimentar - com sucesso - uma nova abordagem no roteiro, e pelas suas qualidades técnicas, True Detective justifica todo o hype gerado e cresce como uma das melhores séries a surgirem nos últimos tempos.
Recomendado para: quem tem tempo e ânimo de entrar de cabeça em um enredo complexo e filosófico.
Sign up here with your email
EmoticonEmoticon