Na última vez que estive em minha livraria de estimação (Sim, eu tenho livrarias de estimação. Em Porto Alegre, é a Cultura; em Santa Maria, a Athena), a sempre simpática e atenciosa Daniela Kliemann me indicou o livro “O Amuleto: A Maldição do Guardião da Pedra”(2013, Editora Fundamento). Dei uma olhada, gostei do que vi e levei para casa. Entreguei para o rapaz, que devorou o camalhaço de 192 páginas em um dia. Aí, surrupiei de volta.
A história começa com uma família (pai, mãe, filha e filho) voltando para a casa em um carro. Um acidente acontece e o pai morre.
Sim, a história é infanto-juvenil, mas Kibuishi parece não concordar que histórias para um público de menor idade precisam ser idiotas ou infantilizadas. A dor da perda ocorre de forma muito natural para as crianças, que tem pesadelos ao saber que podem perder os pais (a maioria, pelo menos). Isso faz parte do crescimento do ser humano e não precisa ficar escondido em um baú e trancado a sete chaves.
Voltemos: alguns anos depois, a mãe resolve retornar para a antiga casa do avô, pois as condições financeiras da família não permitem manter o mesmo padrão de vida de antes. A casa, como não poderia deixar de ser, logo se revela como um lugar muito mais estranho e horripilante do que as duas crianças poderiam imaginar.
E é aqui que entra em ação a prodigiosa imaginação de Kibuishi, combinada com uma arte belíssima. Ao explorar o porão, a mãe é capturada por um estranho ser (um Aracnopod) e resta a Emily e Navin resgatar o que restou da sua família. O porão é o ponto de entrada para um lugar mágico e incomum, uma mistura do submundo de HellBoy com as catacumbas de Lugar Nenhum (Neil Gaiman). Lá, eles encontram o avô moribundo e Emily se torna a Guardiã da Pedra, um amuleto estranho, com vida própria e que parece querer dominar o seu guardião.
A partir daí, a história mistura elementos mais infantis, como os personagens retratados como animais antropomórficos e robôs bonitinhos; com elementos narrativos mais densos, em especial, o Rei Elfo. O sujeito, que embrulharia o estômago delicado de Legolas, representa o poder opressor, canalizando todo o seu desprezo nos ombros do filho, que vai ganhando em importância à medida que a narrativa flui.
Cabe destacar também o visual do livro: Kibuishi mistura cenas de ação e narrativas com surpreendentes planos abertos, valorizando o seu traço detalhista.
Sobre o autor, ele ficou conhecido, primeiramente, pela história Copper, publicada gratuitamente em seu site. Depois, ele desenvolveu Flight, publicada nos EUA pela Image, e o steampunk Daisy Kutter, publicada pela Viper Comics. Ambas são inéditas no Brasil.
Daisy Kutter |
Copper |
Ele começou a desenvolver a série Amuleto para a Scholastic, o que lhe rendeu também um convite para redesenhar todas as capas da série Harry Potter que serão relançadas ainda este ano. Lá fora, a série alcançou o quinto volume; por enquanto, a Fundamento já publicou os três primeiros no Brasil.
Recomendo fortemente para quem tenha crianças em casa ou esteja interessado em narrativas diversas. É muito interessante notar como a história se desenvolve em um contexto diferente do que se encontra em romances e contos em geral: as histórias em quadrinhos, devido ao óbvio elemento visual, pode se concentrar em explorar a narrativa enquanto os aspectos descritivos do mundo fantástico (algo que muitas vezes é criticado pelos leitores) são resolvidos somente na concepção visual dos personagens e dos cenários. Um elemento interessante nesta história é o da casa-robô-gigante. Em um livro, provavelmente a cena de descrição da casa que é, na verdade, um robô vitoriano, poderia ocupar páginas sem fim e não teria o mesmo impacto dos ombros sendo arrancados da terra e as pernas galgando seu espaço até a relva destruída por pegadas gigantes.
Infantil? Sim. Mas muito divertido!
E, afinal, é para isso que servem as histórias, não é?
Maiores informações:
http://boltcity.com/copper/
http://www.boltcity.com/daisykutter/
A.Z.Cordenonsi
Pai, marido, escritor, professor universitário
Tem dois olhos divergentes e muito pouco tempo
página do autor - duncan garibaldi - facebook - twitter
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