Paul Verhoeven no Velho Mundo



E como a refilmagem do Robocop não fez nem cócegas, já que ficou abaixo do que esse personagem já ofereceu lá pelos idos dos anos 80, é interessante lembrar que o holandês Paul Verhoeven, diretor do filme original, antes de atravessar o oceano Atlântico para trabalhar na milionária indústria cinematográfica norte-americana, já aprontava várias traquinagens na sua terra natal.

Paul Verhoeven era formado em física e matemática, mas como também nutria um amor por filmes B de ficção científica e histórias em quadrinhos, abandonou a exatidão dos números e das equações físicas para se aventurar no terreno subjetivo da sétima arte. Azar do mundo das ciências lógicas que perdeu um matemático e sorte dos amantes dos filmes desbocados, que ganharam um dos cineastas mais ousados de que se tem notícia.

Verhoeven possui um estilo bastante peculiar na hora de fazer os seus filmes. Ele é um cineasta que explora ao máximo o que há de melhor (e de pior) nas emoções humanas. Para ele, em várias ocasiões não há espaço para equilíbrio e muitas das cenas registradas por ele formam um casamento perfeito entre elementos antagônicos. 

Nos filmes do cara, beleza e feiura, ímpeto e temperança, violência e cordialidade andam de mãos dadas como se fossem a coisa mais normal do mundo e, convenhamos, tais elementos são sim a coisa mais normal do mundo. A vida é bela, mas vista sem maquiagem, pode ser tão feia quanto o Coringa mergulhado em ácido sulfúrico.

A primeira fase de Paul Verhoeven, marcada por filmes feitos na Holanda, mostra um artista no ápice da ousadia. Um exemplo disso é o longa-metragem O Quarto Homem, lançado em 1983. 


Na trama, um escritor homossexual e com problemas alcoólicos acaba por ter uma relação com uma moça loira, magricela e, que segundo a opinião dele, é muito semelhante a um rapaz de dezessete anos. É óbvio que tal relação é conturbada, pois o que interessa para esse escritor é mesmo o amante da guria. 



Até aí a sinopse dá a entender que o filme é mais uma dessas xaropices metidas a discutir as relações humanas. 



No entanto, a trama começa a engrenar quando, aos poucos, ele descobre que a sua parceira já foi casada três vezes e todos seus maridos morreram em acidentes pouco comuns, sendo ele,  inclusive, a possível quarta vítima.   

O ano de 1973, marcou para Paul Verhoeven, o segundo longa-metragem filmado por ele e que até hoje é considerado o maior sucesso de público da história do cinema holandês. O filme em questão é Louca Paixão, protagonizado pelo ator Rutger Hauer



Na trama, um casal passa por cima das convenções sociais e tenta, a todo custo, superar as dificuldades impostas pelo destino. Porém tudo isso é filmado não com a sutileza e a maestria do excelente Love Story, mas sim, com a contundência de um Último Tango em Paris. Quer ter uma ideia da situação? Então lá vai um SPOILER:

O rapaz pede carona para uma ruivinha que, imediatamente para o carr. Ele então pergunta para se o cabelo de baixo é da mesma cor que o de cima. Não demora, ambos estão em pleno coito. Após copularem como se fossem o último casal humano de um planeta carcomido, o afoito rapaz prende o pinto no zíper da calça. Os dois então vão até a casa mais próxima pedir um alicate emprestado e logo depois o carro capota. Depois disso, Verhoeven desenvolve uma aproximação humana que ultrapassa o limite da intimidade entre duas criaturas da mesma espécie. A prova disso é a cena em que o sujeito examina as fezes com sangue da sua mulher amada apenas para tranquilizar a guria de que o líquido avermelhado é, na verdade, resquícios de uma beterraba ingerida na noite anterior e não um câncer como ela, desesperada, acreditava. FIM DO SPOILER.


Ainda sobre esse filme, vale destacar que o diretor de fotografia é Jan De Bont, um cineasta holandês que também tentou a sorte no cinema norte-americano, mas sem o mesmo sucesso de Verhoeven.

E para aqueles que acham que o humor cínico de Paul Verhoeven se faz presente apenas em Robocop, Show Girls e Tropas Estelares, então deve dar uma conferida no filme Negócio é negócio, lançado em 1971. 

Negócio é negócio


Na sinopse, temos duas prostitutas que participam dos mais variados trambiques para obter dinheiro. As situações, embaladas por cenas de sexo softcore, são registradas com um humor transgressor, colocando o dedo na ferida (com Merthiolate e tudo) de vários padrões sociais.

Ataque aos ditos padrões sociais também é o tema do longa-metragem O Amante de Keetje Tippel, em que o cineasta holandês adapta um romance literário, na verdade, uma autobiografia da escritora Nell Doff



A protagonista é uma moça pobre que, mais tarde, supera as dificuldades de uma vida sofrida. Ainda que mantenha a ousadia habitual do cineasta, é para mim, um dos filmes mais fracos dessa sua fase. 

Após atacar a mesquinharia da dita sociedade paternalista e burguesa, Verhoeven mostrou o dedo indicador para outra questão que atormenta o homo sapiens: os horrores de uma guerra. Foi assim que, em 1977, foi lançado o longa-metragem O Soldado de Laranja, com Rutger Hauer no elenco. Esse longa-metragem relata os eventos ocorridos na Holanda durante a Segunda Guerra Mundial. 


No filme, baseado no livro de Erik Hazelhoff, os holandeses se encontram divididos entre a colaboração e a resistência dos territórios ocupados pelas forças nazistas. Nesse contexto, seis jovens se tornam protagonistas de uma narrativa repleta de escolhas, perfídia e sobrevivência.

Como a Holanda, durante o conflito, não esteve diretamente no front de batalha, não espere por cenas com tiroteios, som e fúria. A trama se concentra mais no grupo de amigos.

Apesar de ser um bom filme, confesso que quase três horas de duração quase me levou, por alguns instantes, a consultar os ponteiros do relógio.

E grupo de amigos é também o tema de Sem Controle, filme lançado em 1980 e que está para Paul Verhoeven assim como Easy Rider está para o Dennis Hopper.

Sem Controle
 

Sem Controle agrega alguns dos momentos mais anárquicos já concebidas pelo diretor, além de ser um retrato pessimista da juventude holandesa no início da década de 80.

A cena, por exemplo, do sujeito paralítico em um culto religioso é, nas entrelinhas, um momento muito  mais iconoclasta que qualquer capa de banda de metal satanista discípula do cramulhão. 


E foi em 2006, já com carreira consolidada nos EUA, mas por outro lado, saindo de um fracasso comercial chamado O Homem sem sombra, que Paul Verhoeven voltou os seus olhos momentaneamente para a Europa. Aliás, não apenas para a Europa, mas para a guerra, já que foi em 2006 que ele lançou A Espiã, drama da Segunda Guerra Mundial que narra a história de uma guria judia infiltrada entre os nazistas. O longa-metragem é uma trama de espionagem, repleta de traições, intrigas e tudo mais que o gênero apetece. 



Posto tudo isso, é até surpreendente que, sempre que possível, Verhoeven conseguiu imprimir a sua marca de autor fodão mesmo em território Hollywoodiano, vide os divertidíssimos Robocop, Conquista Sangrenta, Vingador do Futuro e Tropas Estelares.

É óbvio que esse cineasta também viu o seu nome ser achincalhado por causa de deslizes como Showgirls (1995), mas ainda assim, recentemente, ele já atiçou as plateias do mundo inteiro com o boato de que dirigirá um filme do Conan, protagonizado pelo Arnold Schwarzenegger.

Showgirls


E dizer que esse sujeito entre as duas gostosas, no início dos anos 80, foi cotado para sentar na cadeira de diretor do sexto episódio de Star Wars, O Retorno de Jedi!


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