Trilogia Mad Max


Em 1979 foi lançado um despretensioso filme chamado Mad Max. O longa-metragem é uma produção australiana protagonizada por um até então desconhecido Mel Gibson. A produção, modesta até para os padrões da época, possuía um argumento enxuto e sem firulas: na trama, um esforçado policial busca vingança enquanto testemunha a sociedade ao seu redor caminhar a passos largos para um futuro distópico e sem esperança.

Pois bem, Mad Max chegou ao público, foi um sucesso e gerou duas sequências (lançadas respectivamente em 1981 e 1985). Tais sequências ajudaram a moldar o conceito de longa-metragem pós-apocalíptico da década de 80. Inclusive os três filmes foram dirigidos por George Miller, que sempre esteve no comando da franquia.

Agora já é sabido de todos que anos após o lançamento da saudosa trilogia, o diretor e roteirista Miller anuncia o quarto segmento chamado aqui no Brasil de Mad Max: Estrada da Fúria.

Lembro que após os três filmes protagonizados pelo guerreiro solitário das estradas, surgiu nas décadas seguintes uma onda de filmes que, em maior ou menor grau, pegaram carona no visual de Mad Max. Entre os títulos estão filmes que vão do patético ao legalzinho. Essas produções, feitas com uma grana que não pagaria nem a maquiagem do Mel Gibson, serviam ao menos como comédia involuntária, bem como para abastecer inúmeras vídeo-locadoras do mundo inteiro. Um dos exemplos mais notórios é o estrambólico Warriors of Wasteland, lançado em 1983 e dirigido pelo italiano Enzo Castellari.



Mas ignorando a onda de filmes fuleiros que proliferaram na tentativa de lucrar em cima da onda, será que a trilogia Mad Max é realmente boa mesmo? Será que esses filmes pós-apocalípticos protagonizados pelo astro Mel Gibson são mesmo o último posto de gasolina do deserto ou são apenas tranqueiras que sobrevivem na memória afetiva de uma geração saudosista? 


Eu, particularmente, pensava que ao rever tais produções, iria considerar o primeiro apenas um mero uma espécie de western de vingança, só que sem cavalos e com carros. Já o segundo, com aqueles punks vestindo modelitos sadomasoquistas comprados em um sex shop de esquina, iria considerá-lo apenas um filme barulhento de estrada. O terceiro, por sua vez, com aquelas crianças no deserto e o Mel Gibson esfarrapado, fazia eu acreditar que iria encará-lo como um modorrento dramalhão metido a messiânico.

Que nada, recentemente eu revi os três filmes e verdade seja dita: continuam produções muito bacanas. Talvez com a exceção do terceiro que, na minha opinião, já nos anos 80 deixava cair o ritmo na metade, os dois primeiros, cada um ao seu modo, são filmes que envelheceram bem.

Mad Max (1979)

É nesse filme que ainda vemos um resquício da nossa sociedade antes do mundo mergulhar no caos que é mostrado nas partes posteriores.

O primeiro Mad Max é um filme que, na época, tocava em um tema que até hoje está em evidência: o do justiceiro vingativo que passa por cima da lei para acabar com a bandidagem. Na virada da década de 70 para a de 80, surgiram títulos como Desejo de Matar, O Exterminador, entre outros. O que tais obras tinham em comum, é que que tocavam nesse tema da vingança e da justiça feita a qualquer custo.  

Mad Max de 1979 também tem esse enfoque e mostra uma sociedade refém de gangues de motoqueiros sem nenhum senso de humanidade. Além disso, consegue mesclar momentos mais introspectivos com boas cenas de ação, prova de que George Miller sabia o que fazer com o material que tinha em mãos. Miller, inclusive, soube usar frames rápidos em algumas cenas, mas sem parecer enfadonho ou incompreensível.


Outro destaque é a presença de Mel Gibson, que entregou um Max bastante carismático e que logo o lançou a astro. Em outras palavras: filmaço feito com a merreca de 400 mil dólares e que rendeu mais de 100 milhões.

Mad Max 2 - The Road Warrior


Em 1981 a sequência do filme protagonizado por Mel Gibson foi lançada e assim foi dado o passo inicial para a tal enxurrada de filmes pós-apocalípticos considerados os filhotes bastardos do Mad Max.

Nessa sequência, o diretor George Miller mostrou a civilização humana em estado avançado de podridão. Em Mad Max 2 a sociedade se reduziu a tribos e todo e qualquer sentimento de solidariedade, paz, amor e demais hipponguismos foram detonados pelo temor da guerra fria e também por disputas em nome do petróleo. 


Em suma, a segunda parte do filme soube captar o zeitgeist pessimista do holocausto nuclear tão bem, que o visual pós-apocalíptico adotado por Miller se tornou quase uma cartilha das produções distópicas dos anos 80 e também das décadas posteriores. Até aí tudo bem, contudo, haviam detalhes ali tão caricaturais que, na opinião de muitos, não sobreviveriam ao olhar atento do tempo.

Será que aqueles vilões punks com visual sadomasoquista e que se vestiam como se tivessem saído de um clipe do Motley Crue não iriam envelhecer mal? E para piorar, e aquele personagem pré-adolescente de cabelo sujo munido de um bumerangue maior que ele? Qual é a necessidade daquele gurizinho esfarrapado?

Pois é, com olhar de hoje, percebemos que aqueles punks andróginos estavam exatamente dentro do contexto da época. Eles eram o reflexo de uma sociedade caótica, desordenada, desprovida de valores e abandonada a própria sorte. Ao ver aquelas tribos de punks arruaceiros, tínhamos a impressão de que os caras poderiam cometer as maiores atrocidades sem dar satisfação para nada e nem ninguém. E, sinceramente, por mais cafona que seja o estilo andrógino-carnavalesco deles, ainda continuam no inconsciente coletivo como o símbolo de "história pós-holocausto"


A presença do amiguinho infante, por sua vez, não arranha nem de perto o resultado final do longa-metragem. Talvez se fosse um diretor qualquer, poderia fazer o roteiro mergulhar em uma pieguice sentimentaloide criando assim um exagerado laço paternal entre Max e o piá, mas Miller, ainda bem, sabia exatamente onde queria levar o seu filme. O diretor criou ali um faroeste no asfalto e, de longe, é o melhor da trilogia. O ato final é eletrizante.

Mad Max - Além da Cúpula do Trovão


Uma das qualidades evidentes da trilogia é entregar um filme bem distinto um do outro. No primeiro longa o mundo estava caindo no abismo. No segundo a sociedade já estava no abismo. No terceiro a raça humana não apenas atingiu o fundo do poço, mas ali encontrou um portinhola para se afundar mais ainda. Mad Max, na última parte da trilogia, perambula cada vez mais solitário em um mundo sem esperança até encontrar uma sociedade controlada por uma líder interpretada (até que sem exageros) pela diva Tina Tuner (!!).


O terceiro filme possui dois momentos bem distintos: Um começo promissor, mas um desenvolvimento arrastado e marcado pela presença de um bando de crianças no melhor estilo garotos perdidos da Terra do Nunca


Esse é sem dúvida, por causa da presença da criançada, o filme mais metafórico e o menos violento da trilogia, mas também o mais modorrento. E falando em Tina Tuner ... bem, é ela quem canta aquele grudento refrão do hit We don't need another hero, feito na medida para fazer estádio inteiro acompanhar junto.


Agora, resta aguardar o quarto filme e ver quais os rumos que George Miller dará ao seu guerreiro da estrada.

E a respeito da influência desse filme para o famigerado subgênero pós-apocalíptico, deixo abaixo apenas uma amostra de títulos de clones do Mad Max.

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