Lembra
aqueles filmes em que animais se perdem dos seus donos, e a partir de
então vivem uma grande jornada de regresso, e tal?
Dependendo
da forma como a sinopse do filme "Deus Branco" é
contada, numa dessas evoca um desses filmes Sessão da Tarde;
Ainda
assim, a censura R está atrelada ao longa-metragem por algum motivo,
e o diretor Kornél Mundruczó não vai deixar dúvidas de que esse
seu filme tem mais pra narrar do que a jornada de aprendizado de um
animal de estimação.
Vencedor do prêmio Un Certain Regard, e do Palm Dog (para o melhor cão atuando em um filme), em Cannes, o filme
sueco-húngaro-alemão começa pelo meio, com uma cena
emblemática a qual assombra o seu trailer, e que de início cumpre
exerce função importante nas cenas posteriores desse primeiro ato.
Isso
porque nesse primeiro momento de narrativa, acompanhando a menina
Lili (Zsófia Psotta), que se muda pro apartamento do pai
por três meses, as situações mostradas não fogem muito do
tradicional nesses filmes de grandes aventuras de animais perdidos.
O pai
dela, Dániel (Sándor Zsótér) exerce um papel
vilanesco, do mesmo modo que praticamente todo ser humano na
história, mas a tarefa dele é bem clara: se irritar com o cão da
Lili até despejá-lo do apartamento.
A
intérprete da menina, ainda que competente, não é capaz de levar o
filme nas costas nessa etapa que carece do imprevisível, e de
afastamento do que estamos acostumados a assistir.
O jogo
começa a mudar quando o protagonista do filme recebe tempo em cena
pra mostrar seu talento.
Pois
é. O personagem principal da história é sem dúvida o cão Hagen,
que é interpretado pelos cães irmãos gêmeos Luke e Body,
ambos treinados pela veterana de Hollywood Teresa Ann Williams.
Mesmo
que seus primeiros momentos de protagonismo sejam em cenas bem
clichê, tais quais a do açougueiro, ou da caça aos cães, ele é
um personagem que exerce seu poder nas ocasiões em que sua
transformação de personalidade é determinante pra metáfora
central do filme.
Enquanto
isso, o paralelo com os desdobramentos na sua ex-dona torna as coisas
mais claras, e serve de aprofundamento da temática, sempre gritando
aos espectador o quanto a crueldade humana consegue ir um pouco além.
Afinal, quantas formas será possível inventar pra extrair o que há
de bom em alguém, por mera ganância, egoísmo, interesses, ou puro
reflexo do que foi parte da criação de cada um?
No
exercício das individualidades, Hagen está presente pra
sofrer as consequências, a princípio ingênuo quanto ao potencial
para a brutalidade, o que ele aprende desencadeia um ato final que
remete a filmes de terror, e que justifica a tal censura R.
Nesse
andar da carruagem, no que passa por momentos desconcertantes de
opressão e violência física e psicológica, uma pena que o
cineasta não abandone o lado previsível da força, e nem se
incomode em criar cenas que não recaiam em comparação com obras
tais quais "Planeta dos Macacos: A Origem", que
mesmo tendo um cerne diferente, ainda compartilha com "Deus
Branco" vários dos seus questionamentos.
Porém, o principal filme que surge como referência é "O Cão Branco", de Samuel Fuller, e lançado 1982, do qual o filme dessa postagem ecoa elementos do roteiro.
Numa
selvagem crescente de intensidade, o longa-metragem ainda reserva
espetaculares cenas estreladas por centenas de cães pelas ruas de
Budapeste, e que de acordo com os realizadores
não envolveram efeitos CG, e sim demonstram a competência do
treinamento de cães posto em prática (todos adotados após as
filmagens) além da coragem presente na produção em criar
sequências ousadas na contramão do momento tecnológico do cinema.
Isso
contribui pra veracidade que, se fosse uma constante, não deixaram
espaço pra nenhuma ressalva. Ainda assim, o roteiro é
suficientemente profundo pra que esse não seja um medíocre filme de
ação com draminha.
"Deus
Branco" é parte da cota de filmes aliando inteligência aos
momentos de ação, e que é construído em torno de um enredo
complexo e forte.
Seu
conceito não é explorado a ponto de ser um produto do nível de
qualidade que merecia, mas ainda assim, a sua mensagem ecoa em alto e
bom som quando as cenas marcantes, e principalmente a última e
icônica cena teimam em continuar com o espectador após o último
crédito final.
Quanto
vale:
Deus
Branco. Recomendado para: questionar o quanto de humanidade existe
no ser humano.
Deus
Branco
(Fehér Isten)
Direção: Kornél Mundruczó
Duração: 121 minutos
Ano
de produção: 2014
Gênero:
Drama/Terror/Ação
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