Deus Branco (2014)



Lembra aqueles filmes em que animais se perdem dos seus donos, e a partir de então vivem uma grande jornada de regresso, e tal?
Dependendo da forma como a sinopse do filme "Deus Branco" é contada, numa dessas evoca um desses filmes Sessão da Tarde;
Ainda assim, a censura R está atrelada ao longa-metragem por algum motivo, e o diretor Kornél Mundruczó não vai deixar dúvidas de que esse seu filme tem mais pra narrar do que a jornada de aprendizado de um animal de estimação.



Vencedor do prêmio Un Certain Regard, e do Palm Dog (para o melhor cão atuando em um filme), em Cannes, o filme sueco-húngaro-alemão começa pelo meio, com uma cena emblemática a qual assombra o seu trailer, e que de início cumpre exerce função importante nas cenas posteriores desse primeiro ato.
Isso porque nesse primeiro momento de narrativa, acompanhando a menina Lili (Zsófia Psotta), que se muda pro apartamento do pai por três meses, as situações mostradas não fogem muito do tradicional nesses filmes de grandes aventuras de animais perdidos.
O pai dela, Dániel (Sándor Zsótér) exerce um papel vilanesco, do mesmo modo que praticamente todo ser humano na história, mas a tarefa dele é bem clara: se irritar com o cão da Lili até despejá-lo do apartamento.
A intérprete da menina, ainda que competente, não é capaz de levar o filme nas costas nessa etapa que carece do imprevisível, e de afastamento do que estamos acostumados a assistir.
O jogo começa a mudar quando o protagonista do filme recebe tempo em cena pra mostrar seu talento.
Pois é. O personagem principal da história é sem dúvida o cão Hagen, que é interpretado pelos cães irmãos gêmeos Luke e Body, ambos treinados pela veterana de Hollywood Teresa Ann Williams.
Mesmo que seus primeiros momentos de protagonismo sejam em cenas bem clichê, tais quais a do açougueiro, ou da caça aos cães, ele é um personagem que exerce seu poder nas ocasiões em que sua transformação de personalidade é determinante pra metáfora central do filme.



Enquanto isso, o paralelo com os desdobramentos na sua ex-dona torna as coisas mais claras, e serve de aprofundamento da temática, sempre gritando aos espectador o quanto a crueldade humana consegue ir um pouco além. Afinal, quantas formas será possível inventar pra extrair o que há de bom em alguém, por mera ganância, egoísmo, interesses, ou puro reflexo do que foi parte da criação de cada um?
No exercício das individualidades, Hagen está presente pra sofrer as consequências, a princípio ingênuo quanto ao potencial para a brutalidade, o que ele aprende desencadeia um ato final que remete a filmes de terror, e que justifica a tal censura R.
Nesse andar da carruagem, no que passa por momentos desconcertantes de opressão e violência física e psicológica, uma pena que o cineasta não abandone o lado previsível da força, e nem se incomode em criar cenas que não recaiam em comparação com obras tais quais "Planeta dos Macacos: A Origem", que mesmo tendo um cerne diferente, ainda compartilha com "Deus Branco" vários dos seus questionamentos.
Porém, o principal filme que surge como referência é "O Cão Branco", de Samuel Fuller, e lançado 1982, do qual o filme dessa postagem ecoa elementos do roteiro.


Numa selvagem crescente de intensidade, o longa-metragem ainda reserva espetaculares cenas estreladas por centenas de cães pelas ruas de Budapeste, e que de acordo com os realizadores não envolveram efeitos CG, e sim demonstram a competência do treinamento de cães posto em prática (todos adotados após as filmagens) além da coragem presente na produção em criar sequências ousadas na contramão do momento tecnológico do cinema.
Isso contribui pra veracidade que, se fosse uma constante, não deixaram espaço pra nenhuma ressalva. Ainda assim, o roteiro é suficientemente profundo pra que esse não seja um medíocre filme de ação com draminha.
"Deus Branco" é parte da cota de filmes aliando inteligência aos momentos de ação, e que é construído em torno de um enredo complexo e forte.
Seu conceito não é explorado a ponto de ser um produto do nível de qualidade que merecia, mas ainda assim, a sua mensagem ecoa em alto e bom som quando as cenas marcantes, e principalmente a última e icônica cena teimam em continuar com o espectador após o último crédito final.


Quanto vale:


Deus Branco. Recomendado para: questionar o quanto de humanidade existe no ser humano.

Deus Branco
(Fehér Isten)
Direção: Kornél Mundruczó
Duração: 121 minutos
Ano de produção: 2014
Gênero: Drama/Terror/Ação

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