Lembra
do
Ridley Scott?
Aquele
do
"Alien: O
Oitavo Passageiro"
e
"Blade
Runner".
O
complicado mesmo é, apesar de a gente saber que se tratam da mesma
pessoa, entender como é que o mesmo diretor pode ter apresentado
duas fases tão distintas.
Enquanto
na primeira ele realizou obras memoráveis e que influenciam artistas
desde então, e pra sempre, na outra ele parece um arremedo dele
mesmo. Um cineasta de segunda, pedreiro de Hollywood tentando imitar
o que algum grande cineasta realizou antes dele.
Apesar
disso, mesmo que os últimos blockbusters dele só tenham sido salvos
da execração coletiva unânime pelo poder indiscutível do hype, a
memória do B "Prometheus",
e do ainda inexplicável gasto à toa de dinheiro "Êxodo:
Deuses e Reis",
não impediram que "Perdido
em Marte"
viesse com sua parcel alta de expectativa.
Quem
sabe fosse algo diferente no material de divulgação, ou na
premissa, mas ao menos o novo trabalho do cara venceu o que poderia
ser uma rejeição prévia péssima pra um filme custando mais de
$100 milhões.
A
partir do roteiro adaptado
do
livro do Andy
Weir
pelo Drew
Goddard
ele narra na telona a história do botânico astronauta Mark
Watney,
que numa intempérie muito bem filmada e repleta de tensão termina
abandonado em Marte, com parcos recursos, baixa uma expectativa de
vida, e contexto social que poderia facilmente fazer ele conversar
com uma bola de vôlei, caso lá houvesse alguma.
Na
atuação do Matt Damon,
no entanto, o astronauta não passa por esses perrengues em virtude de solidão.
A
contagem de tempo em "Sóis" vai aumentando o que
facilmente seria capaz de tirar a sanidade de qualquer um, mas não
Joseph
Climber
Mark
Watney.
O
otimista único humano do planeta vermelho é um exemplar raro de
bom-humor interminável, sempre com piadinhas no repertório, pronto
pro stand-up cotidiano que apresenta ao diário que mantém em vídeo
de sua tentativa de sobrevivência.
Ridley
Scott
continua manjando da parte visual, com uma direção de fotografia
dessa vez em sintonia com a personalidade de seu protagonista, que
não deixa a peteca tombar, e por isso, aliado à trilha sonora,
"Perdido
em Marte"
não é de maneira alguma a história de náufrago espacial que se
imaginava a princípio, tendo em visto que o cara vai ficar isolado
isolado
longe
da Terra por mais de ano.
Nisso,
meus amigos, é que reside o maior problema do filme, sinto dizer.
Afinal,
após o já mencionado início do filme, todo e qualquer elemento em
cena vem com as palavras "mentira descarada" estampadas.
"É
impossível sobreviver tanto tempo". Mark
resolve na cena seguinte, sem nem fazer cara de pensativo.
"O
veículo não aguenta mais do que essa distância sem recarregar".
Mark
já tá resolvendo e fazendo uma piada.
Poderia
listar montes de situações facilmente solucionadas por ele, mas
sendo que o problema vai piorando, vale mais a pena ressaltar que a
própria trilha sonora alegre quase durante o filme inteiro, e as
atuações do elenco na Terra, além da própria ausência de
dificuldades complicando os planos deles em grande parte da metragem
fazem desse um filme extremamente hábil em induzir ao desinteresse.
A
primeira ocasião em que algo foge ligeiramente do controle acontece
após mais de uma hora de filme, e também não é o fim do mundo. É
apenas algo que vai enfim deixar o filme um pouco mais sintonizado
com o que o personagem passa.
E
é pouco.
O
Astronauta
criado pelo Maurício
de Sousa
já passou por coisa pior em Magnetar,
além de que, em se tratando de filme de náufrago lutando pra manter
a esperança em alta, vale muito mais rever o "Náufrago"
do Robert
Zemeckis
do que a nulidade dramática desse "Perdido
em Marte".
Até a série Agents
of S.H.I.E.L.D.
tem muito mais a acrescentar ao tema do que este superestimado
postulante ao prêmio da Academia.
E
antes que alguém venha com o argumento de que esse é pra ser um
filme leve, em que as coisas são um pouco mais previsíveis, então
está tudo ok porque é a proposta dele ser assim, só quero deixar
claro que não é porque um filme tem por proposta inicial ser ruim
que ele passa a ser bom.
Inclusive,
mesmo quando a ideia desde a origem é ser uma história de alguém
que se supera pra vencer isso não impede seus realizadores de narrar
isso de modo a não parecer o tempo todo que não vai acontecer nada
de emocionante. Parece aqueles filmes antigos de ação, em que o
brucutu protagonista enfrentava hordas de inimigos sem mudar a
carranca de que tem o jogo inteiro sob controle desde o título do
filme até os créditos finais. Isso era coisa de filme C, e continua
sendo, ainda que se indique algo assim pro Oscar de melhor filme de
2015.
"Perdido
em Marte"
é contado de maneira coerente com essa proposta de ser sem sal, tudo
direitinho e sem nenhuma graça, mas chega no final com cara de filme
de diretor estreante.
Numa
comparação com um sci-fi do próprio Ridley
Scott,
é interessante lembrar que "Prometheus"
era narrado aos tropeços, com falhas de roteiro e de condução que
convidavam o espectador a se retirar da sala de cinema, porém, ainda
assim era cheio de momentos de tensão, enquanto "Perdido
em Marte"
inverte a fórmula, ficando com uma trama redonda, ainda que sem
momentos de emoção em uma trama que acaba se arrastando por longos
144 minutos de visual bem feito, e desperdício de um estelar elenco.
Isso
porque o diretor não retribui a confiança de seus atores, dentre
eles Jessica
Chastain (de "A Hora Mais Escura"),
Chiwetel
Ejiofor
(de "12 Anos de Escravidão"),
Jeff
Daniels
(do
também indicado ao Oscar 2016 “Steve
Jobs”),
Michael
Peña
(do "Homem-Formiga"),
Kate
Mara (do "House
of Cards",
mas
ainda amargando o “Quarteto
Fantástico”),
Sean
Bean
(ainda
lembrado pelo “Senhor
dos Anéis”
e
“Game
of Thrones”,
apesar de “Pixels”
e “O Destino de Júpiter”),
Benedict
Wong
(de “Sunshine”,
“Prometheus”,
e “Lunar”)
e
mais uns quantos que é certamente
já tiveram
momentos bem melhores na carreira do que seus caricaturais
personagens nesse filme.
E
sem essa de que tal coisa aconteceu no livro, ou de que as músicas
lhe agradam e isso salva o filme, porque se no primeiro ponto alguma
fidelidade ao livro não exime o cineasta de contar os fatos sem
capacidade de criar envolvimento, o segundo aspecto até poderia ter
funcionado se não fosse utilizado pra deixa com jeito de filme ruim
da Sessão da Tarde um enredo com temática interessante e
sub-explorada no longa-metragem.
Enquanto
existem as qualidades de sempre em um filme de grande orçamento,
trazido por gente experiente no ramo, e que se erra no que deveria
ser diferencial ao menos acerta nos fundamentos técnicos, "Perdido
em Marte" ainda é um trabalho cinematográfico de um
diretor que ainda cria expectativa de voltar a realizar trabalhos
acima do comum.
Fica
difícil quando ele continua a se enterrar no ostracismo, investindo
tempo pra entregar produções a rodo, mantendo o nível lá
embaixo.
Só
resta ir reassistir o "Lunar",
aquele baita filme que o Ridley
Scott
deveria assistir pra se ligar que "Perdido
em Marte"
deveria ter passado mais tempo na fase de revisão de roteiro.
Perdido
em Marte. Recomendado
para: se perguntar até quando a versão modorrenta do Ridley Scott
vai continuar vitimando o nome da versão das antigas do cara.
Perdido
em Marte
(The
Martian)
Direção:Ridley
Scott
Duração:
144 minutos
Ano
de produção: 2015
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