Perdido em Marte (2015)



Lembra do Ridley Scott?
Aquele do "Alien: O Oitavo Passageiro" e "Blade Runner".
E tem também aquele outro, do "Robin Hood", "Prometheus", e "Êxodo: Deuses e Reis".
O complicado mesmo é, apesar de a gente saber que se tratam da mesma pessoa, entender como é que o mesmo diretor pode ter apresentado duas fases tão distintas.
Enquanto na primeira ele realizou obras memoráveis e que influenciam artistas desde então, e pra sempre, na outra ele parece um arremedo dele mesmo. Um cineasta de segunda, pedreiro de Hollywood tentando imitar o que algum grande cineasta realizou antes dele.



Apesar disso, mesmo que os últimos blockbusters dele só tenham sido salvos da execração coletiva unânime pelo poder indiscutível do hype, a memória do B "Prometheus", e do ainda inexplicável gasto à toa de dinheiro "Êxodo: Deuses e Reis", não impediram que "Perdido em Marte" viesse com sua parcel alta de expectativa.
Quem sabe fosse algo diferente no material de divulgação, ou na premissa, mas ao menos o novo trabalho do cara venceu o que poderia ser uma rejeição prévia péssima pra um filme custando mais de $100 milhões.
A partir do roteiro adaptado do livro do Andy Weir pelo Drew Goddard ele narra na telona a história do botânico astronauta Mark Watney, que numa intempérie muito bem filmada e repleta de tensão termina abandonado em Marte, com parcos recursos, baixa uma expectativa de vida, e contexto social que poderia facilmente fazer ele conversar com uma bola de vôlei, caso lá houvesse alguma.
Na atuação do Matt Damon, no entanto, o astronauta não passa por esses perrengues em virtude de solidão.
A contagem de tempo em "Sóis" vai aumentando o que facilmente seria capaz de tirar a sanidade de qualquer um, mas não Joseph Climber Mark Watney.
O otimista único humano do planeta vermelho é um exemplar raro de bom-humor interminável, sempre com piadinhas no repertório, pronto pro stand-up cotidiano que apresenta ao diário que mantém em vídeo de sua tentativa de sobrevivência.



Ridley Scott continua manjando da parte visual, com uma direção de fotografia dessa vez em sintonia com a personalidade de seu protagonista, que não deixa a peteca tombar, e por isso, aliado à trilha sonora, "Perdido em Marte" não é de maneira alguma a história de náufrago espacial que se imaginava a princípio, tendo em visto que o cara vai ficar isolado isolado longe da Terra por mais de ano.
Nisso, meus amigos, é que reside o maior problema do filme, sinto dizer.
Afinal, após o já mencionado início do filme, todo e qualquer elemento em cena vem com as palavras "mentira descarada" estampadas.
"É impossível sobreviver tanto tempo". Mark resolve na cena seguinte, sem nem fazer cara de pensativo.
"O veículo não aguenta mais do que essa distância sem recarregar". Mark já tá resolvendo e fazendo uma piada.
Poderia listar montes de situações facilmente solucionadas por ele, mas sendo que o problema vai piorando, vale mais a pena ressaltar que a própria trilha sonora alegre quase durante o filme inteiro, e as atuações do elenco na Terra, além da própria ausência de dificuldades complicando os planos deles em grande parte da metragem fazem desse um filme extremamente hábil em induzir ao desinteresse.
A primeira ocasião em que algo foge ligeiramente do controle acontece após mais de uma hora de filme, e também não é o fim do mundo. É apenas algo que vai enfim deixar o filme um pouco mais sintonizado com o que o personagem passa.
E é pouco.
O Astronauta criado pelo Maurício de Sousa já passou por coisa pior em Magnetar, além de que, em se tratando de filme de náufrago lutando pra manter a esperança em alta, vale muito mais rever o "Náufrago" do Robert Zemeckis do que a nulidade dramática desse "Perdido em Marte". Até a série Agents of S.H.I.E.L.D. tem muito mais a acrescentar ao tema do que este superestimado postulante ao prêmio da Academia.
E antes que alguém venha com o argumento de que esse é pra ser um filme leve, em que as coisas são um pouco mais previsíveis, então está tudo ok porque é a proposta dele ser assim, só quero deixar claro que não é porque um filme tem por proposta inicial ser ruim que ele passa a ser bom.




Inclusive, mesmo quando a ideia desde a origem é ser uma história de alguém que se supera pra vencer isso não impede seus realizadores de narrar isso de modo a não parecer o tempo todo que não vai acontecer nada de emocionante. Parece aqueles filmes antigos de ação, em que o brucutu protagonista enfrentava hordas de inimigos sem mudar a carranca de que tem o jogo inteiro sob controle desde o título do filme até os créditos finais. Isso era coisa de filme C, e continua sendo, ainda que se indique algo assim pro Oscar de melhor filme de 2015.
"Perdido em Marte" é contado de maneira coerente com essa proposta de ser sem sal, tudo direitinho e sem nenhuma graça, mas chega no final com cara de filme de diretor estreante.
Numa comparação com um sci-fi do próprio Ridley Scott, é interessante lembrar que "Prometheus" era narrado aos tropeços, com falhas de roteiro e de condução que convidavam o espectador a se retirar da sala de cinema, porém, ainda assim era cheio de momentos de tensão, enquanto "Perdido em Marte" inverte a fórmula, ficando com uma trama redonda, ainda que sem momentos de emoção em uma trama que acaba se arrastando por longos 144 minutos de visual bem feito, e desperdício de um estelar elenco.
Isso porque o diretor não retribui a confiança de seus atores, dentre eles Jessica Chastain (de "A Hora Mais Escura"), Chiwetel Ejiofor (de "12 Anos de Escravidão"), Jeff Daniels (do também indicado ao Oscar 2016 “Steve Jobs), Michael Peña (do "Homem-Formiga"), Kate Mara (do "House of Cards", mas ainda amargando o “Quarteto Fantástico), Sean Bean (ainda lembrado pelo Senhor dos Anéise “Game of Thrones”, apesar de “Pixels” e “O Destino de Júpiter), Benedict Wong (de “Sunshine”, “Prometheus”, e “Lunar”) e mais uns quantos que é certamente já tiveram momentos bem melhores na carreira do que seus caricaturais personagens nesse filme.


E sem essa de que tal coisa aconteceu no livro, ou de que as músicas lhe agradam e isso salva o filme, porque se no primeiro ponto alguma fidelidade ao livro não exime o cineasta de contar os fatos sem capacidade de criar envolvimento, o segundo aspecto até poderia ter funcionado se não fosse utilizado pra deixa com jeito de filme ruim da Sessão da Tarde um enredo com temática interessante e sub-explorada no longa-metragem.
Enquanto existem as qualidades de sempre em um filme de grande orçamento, trazido por gente experiente no ramo, e que se erra no que deveria ser diferencial ao menos acerta nos fundamentos técnicos, "Perdido em Marte" ainda é um trabalho cinematográfico de um diretor que ainda cria expectativa de voltar a realizar trabalhos acima do comum.
Fica difícil quando ele continua a se enterrar no ostracismo, investindo tempo pra entregar produções a rodo, mantendo o nível lá embaixo.
Só resta ir reassistir o "Lunar", aquele baita filme que o Ridley Scott deveria assistir pra se ligar que "Perdido em Marte" deveria ter passado mais tempo na fase de revisão de roteiro.




Quanto vale:


Perdido em Marte. Recomendado para: se perguntar até quando a versão modorrenta do Ridley Scott vai continuar vitimando o nome da versão das antigas do cara.

Perdido em Marte
(The Martian)
Direção:Ridley Scott
Duração: 144 minutos
Ano de produção: 2015
Gênero: Ficção Científica


Tem mais críticas de indicados ao Oscar 2016 NESSE LINK.

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