Uma Noite de Crime (2013)



Uma premissa tão simples e ao mesmo tempo tão instigante.
Nada que um péssimo título no Brasil não possa restringir a conhecer por acaso.
Afinal, quem nos dias de hoje ainda se interessaria por um filme chamado “Uma Noite de Crime” ?

E é uma pena que no mercado nacional este empecilho possa afastar tanta gente do longa-metragem que no original possui um título bem mais interessante.
The Purge (O Expurgo) de certo modo resume muito do que é o mais inquietante nessa sociedade futurista em que uma vez por ano, tal qual uma celebração qualquer, um feriado nacional, um black friday, halloween ou o que seja, a população estadunidense vive às voltas com uma celebração inusitada, e apenas mais chocante devido ao realismo com que é apresentada pela mídia aos “cidadãos de bem”, que a partir das 19hs do dia em questão, possuirão 12 horas de uma forma peculiar de “liberdade”, conforme eles mesmos se referem.
Pois bem.

Neste evento em particular, qualquer um pode a seu livre critério, cometer o crime que pretender, e isto inclui roubos, assassinatos, e quaisquer outros atos de violência de qualquer tipo.
Sem qualquer intervenção da polícia, bombeiros, ou serviços de emergência, os quais permanecem fora de funcionamento ao longo desta metade de dia.
De acordo com os dados apresentados pelos noticiários, o índice de desemprego é irrisório, tal qual a criminalidade, graças a esse sistema de descarrego de agressividade, e expurgo social, em que obviamente as classes sociais menos favorecidas acabam sendo os alvos mais fáceis.

Fato é que, os mais afortunados podem instalar sistemas de segurança, o que é o caso do protagonista interpretado pelo Ethan Hawke (sujeito responsável por vender o referido sistema de segurança), que garante à sua esposa interpretada pela Lena Headey e seus filhos passar pela ocasião sem ter que se preocupar com “gostosuras ou travessuras”, nessa versão mais hardcore.
Claro que as coisas saem errado neste ano, e eles, queiram ou não, vão ter que deixar o blu-ray de lado pra participar das “festividades”.
Isso nem é spoiler. É óbvio.


Mas o diretor James DeMonaco ao menos consegue construir as fissuras no relacionamento familiar e criar um contexto em que a espera pelas complicações da noite seja envolvente o suficiente.
Assim sendo, não é um gore evidente o que toma conta do filme, e sim um climão de thriller que o faz parecer um “O Quarto do Pânico”, em rota de colisão com o terror “Eles”.
Mais psicológico do que a violência pela violência, e com uma atmosfera crescente de urgência que vai fazendo a situação ficar mais angustiante.
O vilão (ainda que, no mundo do filme, sejam apenas pessoas de bem, e quem interfere na rotina de esquartejamento é quem está contra a Lei) é bem atuado por um desconhecido chamado Rhys Wakefield, e só adiciona mais tensão às escolhas que terão que ser feitas.
É verdadeiramente incômodo pensar que, pra se safar dessa e proteger sua família, o protagonista precise optar por ser totalmente indiferente ao que acontece, e aceitar com naturalidade a morte dos outros, ainda que sejam vitimados sem nenhuma acusação além de serem pobres, ou moradores de rua.
Pra um filme de ação e sangueira, é bem mais do que o esperado.


Tá certo que a partir de um ponto, proliferam soluções forçadas, e no ato final ocorre uma meia dúzia de salvamentos de última hora tão previsíveis quanto saber que um filme do Nolan vai tentar se fazer de Cult com final em aberto, mas ao menos o questionamento forte presente até essa parte é realmente forte, e bem contado.
Além disso, há a necessidade em haver heroísmo e em determinado momento isso ocorre de maneira brusca e sem um desenvolvimento convincente.
Mas apesar disso, pouca coisa é tão realista quanto à exploração da mídia na véspera da Noite do Expurgo, ressaltando os prós desta iniciativa do governo vigente.


Não tivesse optado pelo caminho fácil no ato final, o longa-metragem não teria subaproveitado seu potencial de clássico das obras do gênero.
Ainda assim, mesmo com os atalhos desse tipo de produção em um roteiro que não aproveita plenamente a sensacional premissa, The Purge consegue ser divertido e questionador em grande parte.
O filme de James DeMonaco, no fim da sessão é um soco no estômago que pega de raspão, mas ainda assim consegue causar o tipo de desconforto que vai além das vísceras expostas que são o fetiche dos thrillers atuais.


Quanto vale:

Recomendado para: repensar muitas das aparentemente inocentes convenções sociais de hoje em dia.

Uma Noite de Crime
(The Purge)
Direção: James DeMonaco
Duração: 85 minutos
Ano de produção: 2013
Gênero: Thriller/Terror

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