O Teste Decisivo (1999)



É sempre legal assistir um filme que incomoda.
Daqueles que fazem perguntar a si mesmo "por que eu fui convidar minha namorada pra assistir esse?".
Quer dizer, só não é bom pro relacionamento.
A verdade é que esse premiado e cultuado "O Teste Decisivo" (Ôdishon) é dos mais complicadores de relacionamento possíveis visto os desdobramentos da relação a princípio perfeita entre o casal que lidera o elenco.
Vários motivos pra isso foram o que o diretor Takashi Miike providenciou nessa sua obra.

Mas de início eu tenho que mencionar algo.
Pra fins de apreciação, o melhor pra assistir “O Teste Decisivo” é saber o mínimo a respeito, então, quem pretende realmente ver o filme e não sabe sobre o que se trata, sugiro que o assista, e outra hora apareça aqui no Satélite pra ver se concorda com o texto.
Não é que eu vá despejar SPOILERS por aqui, mas existe uma mudança muito drástica no enredo, e fica impossível falar sobre o longa-metragem sem tirar um pouco da satisfação em se surpreender com os rumos que a trama vai tomar no ato final.
Meu respeito pelo público do Satélite é tanto que eu inclusive deixei de utilizar meu cartaz preferido do filme no início da postagem pra reservar esse momento de "escolha descobrir assistindo" ou "escolha descobrir lendo".
Quem já assistiu, ou não liga a mínima pro que eu disse, boa leitura.


Bueno, esse diretor, Takashi Miike, pra quem não conhece, é uma espécie de delinquente do cinema que consegue conciliar um pé na marginalidade e outro no mainstream, e que começou na carreira cinematográfica pois a faculdade de cinema não exigia teste de admissão, e assim iniciava um caminho moldado ao longo de várias produções de orçamento quase inexistente e lançadas direto em vídeo.
Hoje ele é um daqueles que dirige 15 mil filmes por ano, e filmes sobre os mais variados assuntos. Ainda assim, dentre adaptações de mangás, batalhas samurai, western, obras infantis, Yakuzas, e tantos outros, algumas características se sobressaíram na filmografia do cara. 
Dentre elas, a hiper-violência gráfica.

E com certeza é algo bem estranho de relacionar quando se observa a primeira metade do filme.
A trama que acompanha o viúvo Shigeharu Aoyama (o veterano Ryo Ishibashi) 7 anos após o falecimento de sua esposa, e que é convencido pelos demais que já era hora de se casar novamente, segue um trajeto inusitado.
Na trama, ele aceita a sugestão de um amigo pra realizar uma audição, selecionando entre várias candidatas a um papel em um filme, a que seria a futura esposa ideal. Assim, com uma estrategia digna de aplausos de Charlie Harper, ele avalia as entrevistas de 30 moças que desconhecem o real propósito do que está acontecendo, até eleger a sua pretendente.
Simples assim.
E simples é também esse começo, de ritmo lento e melodramático, de fotografia de poucas e sóbrias cores, e o casal se conhecendo, encontros em restaurantes, papo limitado por um conservadorismo burocrático, e nada que lembre um filme de terror.
Só que, não tem jeito. Tem algo que essa guria tá escondendo. Não pode ser.


Adaptado de um romande do autor Murakami Ryu, na época de lançamento, o longa-metragem tornou-se um dos recordistas de abandono de sessões em que foi exibido, isso porque era artístico e doce demais para um filme de terror, e violento e sadista demais para um filme romântico.

A aura de mistério do filme é onipresente, ainda que o diretor não precise jogar closes em olhos maquiavélicos pra criar isso.
Muito disso se deve também à atuação do interesse romântico do protagonista.
Quando ele conhece a inofensiva figura de Asami Yamazaki (Eihi Shiina) nada o faria imaginar do que ela era capaz. Afinal, quem imaginaria?
Mas enquanto Aoyama vai sendo emaranhado pelo seu apaixonamento, o espectador também vai baixando a guarda.


Mesmo que haja algo sobre o passado dela que Aoyama tenta desvendar, e que isso vá ganhando ares mais sórdidos, ninguém estaria preparado para o twist do roteiro, especialmente quando nos foi vendida uma hora inteira de filme açucarado.
Mas o diretor rejeita padrões e convenções, e qualquer rótulo torna-se inviável em seu trabalho.
A submissão está prestes a mudar de lado.


É.
O desfecho do namoro dos dois é muito Takashi Miike.
O chamado Tarantino japonês é na verdade muito mais do que esse rótulo cagado leva a crer, e demonstra isso muito bem quando a historia torna-se de um artístico filme romântico, em um artístico filme de tortura.
E isso, pros desavisados, ou que viraram a cara na hora em que o romantismo a la Takashi Miike entra em cena, recheado com psicopatia extrema, mutilações, esquartejamento, e ingestão de vômito (e alguma sutileza ao deixar momentos-chave da tortura para a imaginação), não é vazio de significados da maneira que é costume nas estreias direto pra locadora dos gorezinhos triviais de hoje em dia.


Nas entrelinhas sobra um tanto de poesia brutal, e sensibilidade na construção desses dois atos tão distintos, que somados às magistrais sequências de devaneios filmadas pelo cineasta, criam um thriller de horror muito autoral e bem estruturado, que com certeza influenciou mais um Quentin Tarantino, do que este influenciou Takashi Miike com suas obras.
Invertendo a misoginia esperada, o contragolpe vai de encontro ao canalhismo que quase passa a parecer o comum e que em Hollywood seria parte importante do processo de conquista.
Só isso já seria algo brilhante.
Claro, seria fácil dizer que "O Teste Decisivo" é uma espécie de “Traídos pelo Desejo” que encontra “Oldboy”, mas eu prefiro afirmar que este é simplesmente um tipo de romance para estômagos fortes e calejados.  
Se não for o seu caso, e não for o seu tipo de filme, passe longe, e você viverá feliz sem nunca saber o que está perdendo.

Quanto vale:


O Teste Decisivo
(Ôdishon)
Diretor: Takashi Miike
Duração: 115 minutos
Ano de produção: 1999
Gênero: Terror / Thriller

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