Agora que o RoboBope, ou melhor, o Robocop do brasileiro José Padilha (Tropa de Elite 1 e 2) chegou finalmente aos cinemas, nosso blogue traz para você um trilogia de postagens dedicadas a esse ícone da cultura pop. Nessa primeira postagem abordaremos algumas considerações acerca do primeiro filme, em uma outra postagem falaremos das sequências oficiais do Robocop, os seus inúmeros clones ao redor do mundo e o seu alcance em outras mídias (games, TV e HQs). Na última postagem (que tentaremos realizar o mais breve possível) traremos uma resenha da refilmagem.
Ainda não sabemos se o policial robô do Padilha seguirá o enfadonho caminho de vários outros blockbusters atuais, que é ser deletado da memória do espectador logo após subir o último letreiro nos créditos finais. Tal dúvida é válida, pois o primeiro Robocop, o do Paul Verhoeven, tinha cenas que viraram tema de conversa em rodinhas nerd por vários anos depois.
É interessante notar que assim como o Padilha, o Verhoeven era também um neófito no endinheirado cinema de Hollywoody. Ainda que o excelente longa-metragem Conquista Sangrenta (1985) seja todo filmado na Europa, ele é considerado o primeiro trabalho do cineasta holandês Paul Verhoeven em território norte-americano. Mas foi em Robocop (1987) que esse diretor, conquistou degraus a mais na carreira. E o mais interessante é que se Verhoeven, em Conquista Sangrenta, retratou com realismo uma Idade Média suja, deprava, decadente e ainda assim batendo nas portas do Renascimento Cultural, em Robocop ele retratou um futuro assustadoramente atual, sujo, depravado, corporativo e corrupto, batendo nas portas do século XXI.
Esse é o Paul Verhoeven, cineasta que não desvia a câmera na hora de filmar putaria e brutalidade e, em parte por isso, entregou para o mundo um dos filmes “mais humanos” sobre robôs de que se tem notícia.
A sinopse de Robocop dispensa apresentações e até um beduíno morando no meio do deserto sem internet wi-fi sabe que o roteiro aborda, entre outros pontos, os conflitos internos de um policial chamado Alex Murphy (Peter Weller), o policial que nas mãos da bandidagem apanhou mais que o filme do Quarteto Fantástico nas mãos dos críticos.
Conta-se que Peter Weller quase foi demitido por reclamar do calor excessivo dentro da armadura |
Mais morto do que vivo, Murphy é então transformado em uma máquina com o propósito de varrer o crime de uma carcomida e apocalíptica Detroit.
Vale destacar que Paul Verhoeven, juntamente com os roteiristas Edward Neumeier e Michael Miner, não inventaram a roda ao abordar a desumanização (ou quem sabe a humanização) de uma máquina. A interação entre organismos cibernéticos e vivos é, para o universo da ficção científica, um tema mais batido que mingau de albergue, visto que Isaac Asimov, Philip K. Dick, entre outros nomes da literatura sci-fi, já fizeram uso desse assunto. Inclusive o argumento do policial transformado em ciborgue apareceu em um mangá chamado O Oitavo Homem, lançado em 1963 e criado por Kazumasa Hirai.
Além disso, em 1986, no Canadá foi lançado Roboman (também conhecido como The Vindicator), dirigido por Jean-Claude Lord e que apresentava algumas semelhanças com Frankenstein e com o Robocop do Verhoeven, lançado um ano depois.
O fato é que o Robocop do cineasta holandês possui todos os ingredientes (se é que existe tal fórmula) para se tornar um sucesso.
Além também de contar com um roteiro primoroso que foge das concepções maniqueístas, a obra alia, com um certo sarcasmo, críticas a atos corruptos da polícia, burocracia, publicidade, entre outros setores da vida moderna. Ou seja, Robocop, apesar de alguns poucos efeitos especiais que se mostraram canhestros, possui engrenagens e parafusos que não enferrujam e permanecem bastante atuais. Além disso, possui cenas pontuadas pela precisa trilha sonora composta por Basil Poledouris.
Além também de contar com um roteiro primoroso que foge das concepções maniqueístas, a obra alia, com um certo sarcasmo, críticas a atos corruptos da polícia, burocracia, publicidade, entre outros setores da vida moderna. Ou seja, Robocop, apesar de alguns poucos efeitos especiais que se mostraram canhestros, possui engrenagens e parafusos que não enferrujam e permanecem bastante atuais. Além disso, possui cenas pontuadas pela precisa trilha sonora composta por Basil Poledouris.
Mas a respeito da questão da humanização do personagem, é interessante ver também que, assim como os robôs nos livros do Isaac Asimov, o Murphy cibernético também obedecia as suas próprias leis da robótica que no filme eram chamadas de diretrizes. São elas: servir à população, proteger os inocentes, cumprir a lei e, por último, uma jogada esperta dos seus criadores, que era a diretriz que o impedia de atacar executivos da OCP.
Metade humano e metade máquina - Policial Completo
Uma presença interessante do roteiro é a oficial Anne Lewis, parceira de Murphy. Lewis, a personagem que testemunhou o policial ser massacrado em uma cena tão brutal que hoje provavelmente seria abandonada ainda na ilha da edição, funciona como o elo de ligação entre Murphy máquina e o Murphy humano. É por meio dela que o Robocop possui flashbacks da época em que era apenas um bom marido e um pai zeloso, um sujeito de carne e osso, sem os eletrodos, chassis, ligas de titânio, entrada USB, wi-fi e por aí vai.
A desumanização do personagem é um dos pontos altos do roteiro, já que em um mundo assolado pela corrupção, uma máquina é um policial eficiente, pois implica ser algo incorruptível e teoricamente infalível. No entanto, quem controla essa máquina são justamente seres humanos passíveis de falhas, ególatras e ambiciosos.
A única personagem que, aparentemente, ainda não foi contaminada pelo sistema é a Anne Lewis. Inicialmente quem iria interpretar essa policial seria a atriz Stephanie Zimbalist, que na época fazia a série de TV Remington Steele. Todavia ela não conseguiu conciliar os seus compromissos com a referida atração televisiva e, para o lugar dela, chamaram a gostosinha Nancy Allen.
Conta-se que Verhoeven exigiu que Nancy cortasse o cabelo para que perdesse um pouco da sua sensualidade e, dessa forma, descartasse qualquer possibilidade de interesse romântico entre Murphy e sua colega.
Ponto para o diretor que conseguiu driblar essa mania que os engravatados executivos possuem de colocar romance em tudo quanto é história. Se facilitar são capazes de socar um relacionamento amoroso até mesmo entre um alienígena e um ornitorrinco.
O fato é que, no filme, a parceira de Murphy parece não aceitar que o seu colega de trabalho seja tratado como uma experiência de laboratório. Ou seja, um pedaço de carne que foi enlatado em uma embalagem cibernética.
Nesse aspecto, para a moça, os cidadãos de bem da OCP tornam-se quase ou tão desumanos quanto os calhordas que estraçalharam Murphy em meio a gargalhadas e algazarra. Além do que os diretores da empresa nem indagaram para a esposa do policial se ela permitiria tal experiência com o seu marido dado como morto. Sendo assim, o grau de desumanização atingiu até mesmo os altos escalões da sociedade e da polícia.
Analisando os paradigmas que o filme implica, com empresas eliminando a
liberdade pessoal, a mídia com domínio amplo sobre a sociedade, aliada a
um sistema fétido capaz de dar uma aula de corrupção até mesmo para
muitos mensaleiros, eu concluo que Verhoeven não fez uma leitura apenas
do zeitgeist dos anos 80, mas sim, uma leitura do atual estado das coisas.
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