O escritor norte-americano Richard Bachman não tem um séquito de fãs e os seus poucos livros publicados nunca configuraram entre os mais vendidos. Adepto de um estilo baseado bem ficção pulp, mas geralmente com tramas centrados no cotidiano do cidadão médio dos EUA, Bachman é o autor desse desconhecido A Longa Marcha, típico “romance de rodoviária”, mas que ainda assim, antes de Jogos Vorazes, Maze Runner e do Battle Royale, já colocou adolescentes em situações extremas de sobrevivência.
OBS: O livro O Senhor das Moscas, publicado em 1954 por William Golding, também, de certa forma, já trabalhava com o arquétipo de luta pela sobrevivência envolvendo adolescentes, mas A Longa Marcha é o que mais se aproxima de Jogos Vorazes e outros atuais com temática semelhante.
A trama de A Longa Marcha, segundo livro de Richard Bachman, é até bem simples: Após a Segunda Guerra Mundial, os EUA se tornam uma sociedade altamente militarizada. Nesse contexto, cem garotos se inscrevem, por livre e espontânea vontade, em uma competição de resistência que dá título ao livro. O vencedor da referida competição poderá ter como prêmio o direito de obter qualquer (e qualquer mesmo!) desejo realizado.
Seria mais uma competição comum se não fosse uma regra básica: aquele competidor que for advertido três vezes por diminuir o seu ritmo de caminhada durante a prova, será eliminado. E vale lembrar que o termo “eliminado” aqui não é apenas uma metáfora. A regra é clara, diria Arnaldo César Coelho comentando A Longa Marcha: Falhou três vezes, o sujeito será então friamente executado. Além disso, não há linha de chegada e a prova será encerrada apenas quando restar um sobrevivente.
A tal da marcha, transmitida via televisão para o mundo inteiro, dura dias. Sendo assim o calor, o frio, as câimbras, a fome, a sede, a tristeza, a alegria, o medo e mais um misto de emoções acompanham os competidores, além é claro, dos fiscais de prova, que misturados na multidão, vigiam o comportamento e o ritmo dos atletas. Como podemos ver, para um livro publicado em 1979, qualquer ironia aos atuais reality shows de hoje é mera coincidência.
É bem verdade que Bachman sacrificou extensas descrições de cenários e pessoas e se preocupou em mergulhar mesmo no aspecto psicológico de cada personagem. O autor, que não era bobo nem nada, sabia que se concentrar em cem personagens seria um trabalho hercúleo. Portanto, Bachman focou a sua caneta em quatro personagens: Ray Garraty (o protagonista), Peter MCvries (quase como o sidekick do protagonista), Stebbins (que fez as vezes do ponto de equilíbro entre os personagens) e Gary Barkovitch (aquele tipo de antagonista preparado essencialmente para arrancar palavras de ódio do leitor).
Há ainda um personagem que Bachman sabiamente deixou nas sombras: o Major idealizador da competição, um sujeito que aparece esporadicamente durante a narrativa e ninguém sabe quem (ou o quê) ele é. Será que o sujeito é uma espécie de entidade sobrenatural ou é só um maluco autoritário? Bachman deixa o leitor pensar a respeito disso.
Em suma, a Longa Marcha é uma dessas histórias que representa não apenas uma aventura de superação física, mas também, uma jornada de amadurecimento e também um mergulho no lado mais sombrio da mente humana. Afinal, os competidores passam por ruas e cidades e se deparam com o cruel voyeurismo do público, que os observa com um fascínio mórbido brilhando nos olhos. Principalmente quando um atleta , digamos assim, leva o tão indesejado cartão vermelho. Inclusive, podemos até aferir que a crueldade do público (e também do próprio leitor) é a verdadeira vilã de A Longa Marcha, mérito para o autor Richard Bachman, que, mesmo não sendo um autor famoso capaz de arrastar multidões para uma livraria, anos mais tarde revelou que ele era apenas o pseudônimo de um outro conhecido escritor. Isso mesmo, Richard Bachman era o pseudônimo de um tal de...
Stephen King.
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