Chappie (2015)



De promissor cineasta, responsável por um dos longa-metragens de ficção científica mais interessantes do mundo recente dos blockbusters, Neill Blomkamp pareceu ter se rendido ao lado preguiçoso da Força em "Elysium" e seu roteiro repleto de furos.
Mas as ousadias do curta-metragem “Alive in Joburg, e claro, de "Distrito 9", garantiram um resquício de hype ao seu mais recente trabalho, "Chappie", que vem com uma premissa possuidora de algumas doses de nostalgia a la Sessão da Tarde.



Nesse novo filme, Neill Blomkamp nos garante uma passagem pra um novo passeio pela sua visão distópica de uma sociedade que lembra demais a nossa, e que traz aquele elemento de sujeira a um contexto futurista que torna as coisas bem mais próximas do espectador.
Pra isso, ele repete a parceria no roteiro com sua esposa Teri Tatchell, que rendeu a autoria de "Distrito 9", e da qual a ausência por muitos foi apontada como causa da perda de qualidade em "Elysium".
"Chappie", enquanto filme censura R que ainda assim ousa adentrar o competitivo mundo dos arrasa-quarteirões, se sobressai ao seu antecessor já pelo carisma dos seus personagens, que em "Elysium" estava mais na boa vontade do público do que na estruturação desencontrada de seus protagonistas.
No filme de 2015, ao menos esse aspecto parece bem mais consolidado no entendimento dos roteiristas e na forma de apresentar tanto heróis e vilões (com exceções) quanto o mundo à volta deles.
A escolha do elenco privilegiou esse aspecto ao ceder novamente a Sharlto Copley papel de destaque, pois nenhum ator entende melhor as diretrizes do cineasta do que ele, e sua interpretação do robô policial protagonista é responsável por criar um dos personagens mais carismáticos de 2015. Isso especialmente a partir do momento da tomada de consciência que vem acompanhada do novo nome Chappie.
Mas também são fundamentais pra quem o robô é, e vai se tornando, ainda que algum ou outro em atuação irregular, o papel de seu criador Deon Wilson (Dev Patel) e de seus pais adotivos Yo-Landi e Ninja (integrantes da Die Antwoord).
Eles, enquanto alimentadores do intelecto faminto de Chappie, estrelam momentos ao mesmo tempo engraçados e de aspecto familiar suficiente pra que, por mais que a trama não pareça das mais originais, a atenção da plateia não seja perdida, e as comparações com o clássico da Sessão da Tarde "Short Circuit" (1986) diminuam até quase sumir.



Blomkamp, entretanto, repete equívocos de Elysium tanto no roteiro, que a retomada da parceria não solucionou, quanto na direção do longa-metragem.
"Chappie" fica dependente do desenrolar dos eventos que sustentam as relações afetivas conflituosas, a ponto de suas fragilidades de execução se sobressaírem, algo que poderia passar menos percebido se o enredo estabelecido à volta fosse autosuficiente, e se os papéis de Hugh Jackman e Sigourney Weaver dissessem a que vieram, além dos clichês.
A chefe de Deon é esvaziada do potencial crítico pra trama que a justificaria existir no filme, enquanto o vilão interpretado por Jackman é mais digno de pena do que de temor, mesmo quando em determinado momento seus planos funcionam pra que ele tenha recursos pra pensar que é ameaça.
Infelizmente o roteiro o aleija de chances de realmente ser, inclusive adicionando um elemento de preconceito de base religiosa que em nada acrescenta de consistente ao algoz do Deon, que é apenas o enciumado rival com jeito de que vai perder. Ainda que possa alcançar seus objetivos, a imagem de derrotado persiste diminuindo a importância de sua função no filme.



Esse desequilíbrio contrasta com a novamente coesa retratação da paisagem que torna coexistentes tecnologia futurista e favelas, além da forma eficiente de incluir robôs em cenários urbanos repletos de pobreza, e refletindo desigualdades sociais lamentavelmente habituais.
Enquanto o roteiro desliza em cenas banais apressadas e de jogadas convenientes, o visual se mantém forte atrativo no filme que faz lembrar outra vez a série de HQs "Éden: It's an Endless World", do japonês Hiroki Endo.
O problema é que um acaba influenciando o outro.
A perda de credibilidade do enredo de viés filosófico faz com que várias das cenas de ação descambem pra falta de intensidade narrativa que acomete vários dos blockbusters sci-fi.
Enquanto trata do desenvolvimento da personalidade e núcleo familiar de Chappie, o relacionamento entre o personagem de Copley e dos personagens do Die Antwoord é engraçado e contém o suficiente pra levantar a questão: será que esse precisava ser um filme de ação com censura R, se o que realmente funciona nele são os momentos dramáticos em que o bom-humor é completamente adequado?
No caso de o contexto possuir no cientista rival um elemento a mais pro desenvolvimento disso, e unido de maneira orgânica à trama central, justificaria este ser um longa-metragem de embates entre robôs e pirotecnia. Mas a intriga no background parece estar apenas pra dar respaldo a explosões no ato final.
Além disso, o roteiro apresenta problemas hediondos nos detalhes que deveriam sustentar a trama, e a escassez de ideias pra solucionar dilemas simples na condução da história acarretam em uma cada vez menor aceitação do universo ficcional que tinha todo jeito de que ganharia credibilidade junto ao espectador por ser um paralelo tão alicerçado no mundo real.



O aprendizado de seu protagonista, que muitas vezes é o mais complicado e peça falha em filmes de ação, é em "Chappie" o principal fator de interesse.
O robô e as conflituosas pretensões de quem lhe ensina a respeito do mundo real e de quem ele pode ser encontram no mal executado formato de filme de ação um empecilho pra alcançar empatia plena com o público.
Enquanto supera "Elysium", o novo trabalho de Blomkamp ainda não deixa claro se "Distrito 9" foi mesmo um lance de sorte.
As peças utilizadas são bem parecidas, mas um novo uso harmonioso delas parece ter ficado pra um capítulo futuro da filmografia do cineasta.



Quanto vale:



Chappie. Recomendado para: permanecer com a pulga andando atrás da orelha quanto à filmografia do diretor.

Chappie
(Chappie)
Direção: Neill Blomkamp
Duração: 120 minutos
Ano de produção: 2015
Gênero: Ficção Científica/Ação

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