Um desses equívocos pela superexposição da mídia é acabar
restringindo o trabalho de alguém a coisas parecidas com seus
trabalhos mais populares.
Bastante comum pra todo mundo da indústria, isso tentou tornar Jim
Carrey escravo das comédias, Tom Cruise, refém das
missões impossíveis, e Jackie Chan um eterno kickboxer
tresloucado.
Todos eles tiveram suas investidas em outras direções, de sucesso
ou não, mas provando que um artista não é restrito ao que se sabe
dele por quem acompanha por alto o que a sétima arte reserva pra
temporada seguinte.
Quem sabe por isso que a tão vasta e diversa gama de produções do
Estúdio Ghibli acaba pra muita gente sendo ainda rotulada de
“filmes tipo Chihiro”.
Nessa revisita dos longa-metragens do estúdio (e do clipe massa do
Chage & Aska, animado pelo Ghibli), essa
diversidade de temas e possibilidades se faz tão interessante em um
épico repleto de elementos de universos fantásticos, quando em
dramas humanos de pés fincados em ambientes urbanos, e de frias
paisagens repletas de arranha-céus japoneses.
Em mais uma parte desse Especial Estúdio Ghibli, o filme
reassistido transmite o que o roteiro quer transmitir sem ir muito
longe da realidade de cidade grande que muitos conhecem e vivem, e
investe em dilemas não transportados pra mundos de animais falantes,
ou seres indescritíveis.
“Whisper of the Heart”, adaptado do mangá de autoria da Aoi Hiiragi um drama escolar que fala sobre
arte, amizade, amadurecimento, autoconhecimento, e outras paradas que
fazem parte do ir se tornando adulto sem perder sua essência, e sem
encontrar um dia no emprego, carro, e demais realizações
idealizadas a frustração mascarada que assola tanta gente.
Na história do filme dirigido pelo Yoshifumi Kondô, a jovem Shizuku Tsukishima (dublada pela Youko Honna) se vê inserida nesse momento de dilema de carreira, universidade, e relacionamentos,
sabendo que não sabe nada do que pretende ser.
E nada, incluindo pais, irmã, amigos, ou os infinitos livros lidos
na biblioteca, parecem ter alguma dica útil pra passar por isso sem
as dores de cabeça de não saber exatamente em que a decisão vai
resultar.
No meio do desconcertante entendimento de ainda não estar ligada no
que deve fazer, um nome presente nos livros que ela costuma ler leva
ela a conhece o personagem Seiji (dublado pelo Issei Takahashi),
e por mais que pareça, a conturbada fase pode ao menos estar rumando
pra novos aprendizados, ainda que talvez não a certezas sobre o
futuro.
Enquanto filme, “Whisper of the Heart” conta com recursos
bem convencionais.
O roteiro de poucas reviravoltas e diálogos simples e funcionais, os
personagens municiados de personalidades comuns, e um contexto de
situações corriqueiras.
O que o longa-metragem possui de diferente é uma vibe acertada que
não força o melodrama, e fica na linha tênue de separação entre
o drama efetivo e o que seria um tom excessivo de emoção, sempre
com o cuidado de não escorregar pra um lado ou outro.
O diretor dosa elementos pra que, mesmo não
sendo o mais indicado pra quem rejeita qualquer sinopse que contenha
as palavras “relacionamento” ou “romance”, ainda seja um
filme competente e eficaz.
A competência da animação garante também que os aspectos visuais
não se sobressaiam ao todo, pra ninguém sair dizendo que “aquela
cena valeu mais que o filme inteiro”.
É algo pra ser encarado como live-action, em que nada tenta ganhar
apreciação da plateia pelo exagero, mas sim pela integração das
partes que o compõem enquanto obra audiovisual.
Claro que em sua simplicidade, o filme de Yoshifumi Kondô poderia muito atribuir maior significado aos simbolismos presentes no
dia-a-dia, sem ser tão literal o tempo todo, e enquanto trama
lidando com descobertas, e um emaranhado de transformações na vida
de seus personagens, transcender em narrativa o que ainda é uma
bonita história.
“Whisper of the Heart”, de aparente mais fácil comparação
com um filme do tipo de “Ocean Waves”, não parece se
relacionar com obras que nem “Princesa Mononoke”, “Nausicaã”,
“O Conto da Princesa Kaguya”, ou o próprio “A Viagem de Chihiro”, porém, não apenas por ter uma espécie de
continuação no filme de temática fantástica “O Reino dos
Gatos”, é um trabalho que reflete um caráter de sensibilidade
e maturidade que é forte característica do estúdio.
É quase como se o próprio mundo real fosse apenas um dos mundos
paralelos pelos quais o Ghibli passei há décadas, na busca
incessante por histórias que versam a respeito da vida, na sua
banalidade fantástica, ou na sua fantástica forma cotidiana de ser.
Whisper
of the Heart. Recomendado para: conduzir o espectador em mais uma das bem narradas histórias de descoberta e aprendizado criadas pelo estúdio Ghibli.
Whisper
of the Heart
(Mimi
Wo Sumaseba)
Direção: Yoshifumi Kondô
Duração: 111 minutos
Ano
de produção: 1995
Gênero:
Drama
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