Se o Satélite tem estado
muito que nem um mosquedo deserto de postagens, é por culpa de um
apreço não-salutar por seriados que eu cultivo faz um tempo.
Daí, até porque tem sido tão
mais fácil encontrar séries massa do que filmes, e os bons roteiros
parecem ter sido mais evitados no cinema do que na tela menor, meu
compromisso fica prejudicado, na busca pelo próximo longa-metragem
resenhável.
Nessas, faz um tempo que eu
esbarrei no que ainda hoje considero um dos melhores seriados de
humor de todos os tempos, e que alcançou um nível de originalidade
inversamente proporcional à sua popularidade (por mais que possa
soar meio pretensioso, isso de dizer que curte o seriado que pouca
gente conhece. Do mesmo modo que parece meio maria-vai-com-as-outras
o cara dizer que curte o seriado de sucesso, e também parece modismo
dizer que gosta de assistir aquela série de mediana audiência, que
não é totalmente cult porque hoje em dia os geeks apoiaram e
elevaram um pouco a audiência, e tal).
Mas o que eu tava dizendo, mesmo?
"Flight of the Conchords". Era esse o assunto.
"Flight of the Conchords". Era esse o assunto.
Pelo menos a isca deste preâmbulo
pra postagem não parecer tão direta.
Então. “Flight of the
Conchords” era protagonizada pelo Jemaine Clement, e pelo
Bret McKenzie, e estampava na sua cara algo que eu passei
a chamar pelo rótulo de “humor neozelandês”, mas não sei se é
mesmo, porque não conheço muito produções neozelandesas.
Mas de qualquer forma, é o elo
com o filme-título dessa postagem.
Um legítimo representante do
humor neozelandês (vou usar a denominação até que alguém exija
retratação), e que atende pelo nome “O Que Nós Fazemos nas
Sombras”.
Outro elemento coincidente entre
os dois é que o próprio Jemaine Clement é co-roteirista,
co-diretor e protagonista do filme juntamente com o Taika Waititi.
E o inusitado, que é
aparentemente lema de carreira do Jemaine Clement, reside
dessa vez inicialmente no argumento, que envolve um documentário
sendo realizado na Nova Zelândia, acompanhando uma espécie de
“República de Vampiros”, na qual um quarteto de figuras de
natureza predatória lida com o cotidiano às vésperas de um evento
renomado no submundo dos personagens de histórias de terror, que no
filme são absolutamente reais.
Então, é nesse ambiente de
imagens propositalmente mal filmadas, investidas brilhantemente
ridículas contra vítimas incautas, e diálogos de uma ousadia ímpar
ao relatar o canhestro que habita até nas mais perversas criaturas,
que os diretores realizam o seu mockumentário singular.
"O Que Nós Fazemos nas Sombras" traz o suficiente de humor atípico e mais do que o bastante de atuações transcendentais pra que o documentário fictício marque sua mente apesar dos míseros 86 minutos de filme.
"O Que Nós Fazemos nas Sombras" traz o suficiente de humor atípico e mais do que o bastante de atuações transcendentais pra que o documentário fictício marque sua mente apesar dos míseros 86 minutos de filme.
Maior parte da culpa recai sobre
a dupla de cineastas, dividida com justiça na devida proporção com
o restante do notável elenco principal.
Só pra deixar bem claro, os
quatro ocupantes da mansão que abriga os vampiros são: o excêntrico
Vladislav (Jemaine Clement), o ainda mais excêntrico Deacon
(Jonathan Brugh), o regrado e romântico Viago (Taika
Waititi), e Petyr (Ben Fransham), o único aparentando
possuir resquícios das características aterradoras de seus
ancestrais.
O retrato desses caras os
esculhamba segundo a segundo ao destruir qualquer expectativa quanto
a essas criaturas através de sequências e diálogos
excepcionalmente patéticos e (por que não?) geniais.
Uma espécie de visita à casa de
qualquer grupo de pessoas nada extraordinárias em nenhum aspecto, em
saídas à noite pra tentar encontrar alguma diversão, às voltas
com picuinhas desinteressantes e corriqueiras que nem lavar a louça,
e que por um infortúnio do destino bebem sangue, voam, e se
transformam em morcegos.
Piadas envolvendo as idealizações
de cada um acerca de si mesmo, de suas angústias mesquinhas e
nonsense, e da inaptidão deles pra viver sendo o que são, garantem
às câmeras dos cinegrafistas encarregados do documentário sempre
algo pra filmar, e ao espectador vários facepalms frente a tamanho
catalisador de vergonha alheia.
Fica ainda mais fácil rir disso
tudo com a presença dos igualmente essenciais: Nick (Cori
Gonzalez-Macuer), Stu (Stu Rutherford), Jackie (Jackie Van
Beek), e o grupo de rivais liderado pelo Anton (Rhys Darby).
"O Que Nós Fazemos nas Sombras" é um trabalho elogiável ainda mais por conseguir tal qual "Flight of the Conchords" conseguiu, fazer memoráveis também esses ignóbeis coadjuvantes que atuados no mesmo nível dos vampiros protagonistas quase pedem um filme pra cada um, ou um seriado no mesmo estilo, mostrando suas vidinhas de quase claustrofóbica banalidade.
"O Que Nós Fazemos nas Sombras" é um trabalho elogiável ainda mais por conseguir tal qual "Flight of the Conchords" conseguiu, fazer memoráveis também esses ignóbeis coadjuvantes que atuados no mesmo nível dos vampiros protagonistas quase pedem um filme pra cada um, ou um seriado no mesmo estilo, mostrando suas vidinhas de quase claustrofóbica banalidade.
O
grande problema do longa-metragem é ser tão breve, e seus poucos
minutos o prejudicam tanto por ser uma droga um bom filme terminar
logo, quanto pela sensação de desfecho abrupto e de ter assistido
apenas um episódio de seriado. Um dos melhores, mas que poderia
muito bem ter um acréscimo de umas dezenas de minutos.
No
seu facilmente reassistível filme, Taika Waititi
e Jemaine Clement
ministram uma pequena aula de humor esperto, e sacadas originais.
Uma
pérola que o hype fez questão de relegar a redutos de cinefilia bem
afastados do mainstream, e na qual o ato de filmar um mockumentário
recupera muito da novidade que outrora teve, no tempo em que ainda
tentava parecer realista, em que Steven Avkast e
Locus Wheeler foram
gravar sua “Última Transmissão”,
ou em que o mistério d“A Bruxa
de Blair” multiplicou $60 mil um monte de vezes, ou mesmo antes da
perda do fascínio de “Rec”.
Mas curiosamente isso aconteceu
através de uma obra que aproveita em forma de deboche os elementos
do cinema de terror pra esboçar realidade através do que de mais
surreal há na vida real.
O
Que Nós Fazemos nas Sombras. Recomendado para: rir de uma trágica rotina que ultrapassa os séculos.
O
Que Nós Fazemos nas Sombras
(What
We do in the Shadows)
Direção:
Jemaine Clement, e Taika Waititi
Duração: 86 minutos
Ano
de produção: 2014
Gênero:
Comédia/Mockumentário
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