Entrevista: Vitor Cafaggi

Se Vitor Cafaggi (35 anos) hoje é uma das referências no ramo das histórias em quadrinhos nacionais, seu prestígio não caiu de paraquedas. Autor do aclamado Turma da Mônica - Laços (ao lado da sua irmã, Lu Cafaggi), sua trajetória começou com as tirinhas do Puny Parker em sua página do Orkut. Lá, com o intuito de desenvolver seu traço e narrativa, Vitor colocava no papel o que ele imaginava que teria sido a infância de Peter Parker, o Homem Aranha. Depois da criação de seu blog, veio sua tira no jornal carioca O Globo, onde conta as desventuras amorosas do cãozinho Valente.



Foi nesse ponto que sua carreira começou a tomar a forma que conhecemos hoje. Do blog, veio o convite do editor Sidney Gusman para escrever uma história curta no encadernado de comemoração dos 50 anos da primeira tira de Maurício de Sousa, o MSP 50: Maurício de Sousa por 50 Artistas, onde fez uma história do Chico Bento. Logo após o sucesso de sua história, veio o convite para a produção do Laços, e daí para frente sua fama alcançou os mais diversos cantos do país.

No fim de semana do dia 12 e 13 de Outubro de 2013, Vitor Cafaggi esteve em Santa Maria-RS para uma oficina e um bate papo no evento Shin Anime Dreamers - Edição Extra. Conseguimos um espaço junto à organização para realizar uma entrevista exclusiva com ele, onde conversamos sobre sua trajetória, seu trabalho e o futuro.


Crédito foto: Cássio F. Lemos


O início 

Antes de toda essa trajetória quadrinhística, Vitor Cafaggi era apenas um designer gráfico que gostava muito de ler e desenhar quadrinhos nas horas vagas. Com dois empregos, tendo passado inclusive pelo cargo de diretor de artes de uma empresa, decidiu que era hora de tentar viver fazendo o que sempre sonhou, e largou um deles para se dedicar à produção de quadrinhos.

"Eu já tava com vinte e nove para trinta anos. Se eu não começasse naquele momento, acho que eu nunca teria feito. Eu ia acabar sendo, daqui trinta anos, um cara muito frustrado, por nunca ter tentado correr atrás do meu sonho"

Depois de tomada a decisão, Vitor ficou um ano e meio montando uma poupança que lhe desse estabilidade financeira o suficiente para sustentar a mudança. Ainda hoje, possui um trabalho de professor em dois locais, para ajudar na questão financeira. Com o aumento da demanda, há planos para largar um e dedicar cada vez mais tempo aos quadrinhos. Mas, até lá, é um passo de cada vez.

Fama

Turma da Mônica - Laços foi um ponto de virada para o quadrinista. Não em questão de qualidade ou crítica, mas em público. Se antes apenas era possível acompanhar seu trabalho em tiras dominicais no jornal O Globo, no seu blog e em obras independentes, agora toda banca e comic shop do país tem seu exemplar de sua obra mais famosa. Haverá alguma mudança na sua direção criativa?

"Eu pretendo continuar meu trabalho do mesmo jeito que venho fazendo até agora. Eu sempre escrevi a história que eu queria ler naquele momento, com a minha cara. Eu pretendo continuar fazendo isso sempre, seja independente, seja com editoras. Acho que foi esse meu jeito de fazer quadrinhos que me trouxe trabalhos como o Laços."



Mas não dá pra negar que essa popularidade se estende para seus trabalhos antigos. De acordo com Vitor, de julho pra cá, todo seu catálogo de trabalhos vem vendendo pra caramba - efeito desse pessoal que não o conhecia e agora está louco para ler mais.

Características

Algo que pode escapar de uma leitura ou duas, mas fica bem claro para quem se aprofunda nas obras do autor, é a sensibilidade presente. Vitor consegue muito bem trabalhar situações comuns a todos - brincadeiras de infância, primeiros relacionamentos, mudanças de lar, etc...- e transformar em algo reconhecível para qualquer um que ler. Mais do que isso, consegue ter a sensibilidade de achar o que torna cada um desses momentos algo digno de ser contado e colocar no papel.

"Sempre que eu vou criar uma história, eu penso no que eu tenho dentro de mim pra contar para as pessoas. E ao mesmo tempo, que história que eu quero ler, que eu não vi outra pessoa fazendo ainda. Tem muito de mim em cada trabalho. O legal é justamente essa identificação que causo nas pessoas. A gente acha que só a gente viveu aquilo, mas na verdade várias pessoas passaram por algo parecido."


O personagem Valente, nas palavras de Vitor, é sua versão adolescente. A história que ele conta é sua autobiografia. Tanto que, quando recebeu o convite do jornal O Globo para ter um espaço semanal, ele criou o enredo e as primeiras cinco tiras em três dias, dado todo esse background pessoal que já tinha acumulado.

Falando em Valente, o terceiro volume está programado para sair esse ano, a tempo do oitavo Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ), que acontece nos dias 13 a 17 de novembro em Belo Horizonte. Vitor ainda confessou que não vai conseguir terminar a obra em cinco volumes, já aumentando sua estimativa para seis.

Momento dos quadrinhos nacionais

Não que eu seja velho, ou que percorra sebos há muito tempo, mas não dá para negar é que os quadrinhos nacionais vivem um momento muito bom. Além de Vitor, autores como os gêmeos Fábio Moon e Gabriel Bá, Danilo Beyruth, Gustavo Duarte, entre outros, ganham espaço nas bancas e nas livrarias ao lado de artistas internacionais consagrados. Melhor do que isso: ganham leitores, que se apaixonam e discutem sobre suas histórias, personagens e universos, com um afinco que faria os fãs de super-heróis americanos sentirem uma ponta de inveja.

"Hoje a internet ajuda bastante a você se divulgar. Essa cena atual do quadrinho nacional vem muito disso. Esse trabalho da internet traz o interesse de editores e editoras, que veem que você é bom e mantêm uma constância de publicações."

Pra quem está começando, a dica de Vitor é simples: produzir.

"Você só precisa sentar a bunda na cadeira, desenhar e mostrar isso pra alguém. À medida que for fazendo, dia após dia, você vai melhorando. Depois é tomar coragem e publicar - e a internet é o melhor jeito para isso. Você não precisa correr atrás da editora. Deixa ela correr atrás de você. Eu sou um caso desses."

Vitor começou divulgando seu primeiro trabalho no finado Orkut. Lá, publicava as tirinhas do Puny Parker, onde contava o que imaginava que teria sido a infância de Peter Parker. Criou um blog para facilitar a vida de quem não tinha ele adicionado na rede social. De lá veio o convite do O Globo, a criação da tira Valente e o convite para escrever uma história na coleção MSP 50, que lhe rendeu elogios de Maurício de Sousa.


Elogio, aliás, é pouco. Rendeu mesmo é um convite de casamento. " Eu quero casar com esse menino", disse Maurício após ler a história de Vitor sobre o dia em que Chico Bento conheceu a Rosinha. Daí para o convite de escrever o Laços foi um pulo.

A produção de Turma da Mônica - Laços 

Quem já leu sua obra mais atual (e famosa) pode notar o emaranhado de referências a histórias clássicas da Turma da Mônica e personagens obscuros. Eu poderia apostar que era fruto de um trabalho de pesquisa caprichado, mas ele sequer existiu. Vitor e Lu Cafaggi, os autores, puxaram tudo da memória mesmo. 

"Eu e minha irmã fomos anotando todas as ideias que a gente tinha, o que a gente sempre quis ver os personagens fazendo ou falando. Li Turma da Mônica por muitos e muitos e muitos anos, mais do que a maioria lê, até, e a gente queria colocar essas... sutilezas para os fãs dos personagens. Queríamos que a história fosse conhecida por um público mais geral, para um público que não lê tanto e para um público mais hardcore mesmo. Essas referências todas são prêmios para os que são muito fãs"

Vitor também não esconde sua vontade de que a obra se perpetue com o tempo. Afinal, edições encadernadas e com um papel diferenciado existem para durarem nas estantes dos colecionadores.


"A gente sempre queria que as pessoas pegassem uma, duas, três, quatro vezes para ler, e a cada vez elas fossem pegando uma coisa nova (na história). Sempre a nossa ideia é essa: de fazer uma história que vai ficar para sempre."

Formato de trabalhos

Vitor trabalha com tiras semanais do Valente e as obras independentes. Laços se afastou um pouco dessa sua zona de conforto por ser uma Graphic Novel, ou seja, uma obra maior, com começo, meio e fim. Não que suas tiras não tenham esse senso de continuidade, já que sempre Vitor sabe onde elas devem chegar para finalizar a história (Puny Parker começava a primeira temporada com Peter conhecendo a Mary Jane e finalizou com a viagem que afastou a ruiva da vida do herói até seus anos de faculdade). Mas teria ele um formato preferido de trabalho?

"Eu gosto de trabalhar com histórias curtas. A dificuldade maior de Laços, para mim, foi trabalhar uma história tão longa, que se tem que manter o traço parecido do começo até o fim. Meu traço eu deixo evoluir naturalmente. Não me preocupo em desenhar o Valente (por exemplo) da mesma maneira em todas as tirinhas. Na verdade, de umas cinquenta ou sessenta tiras para cá que ele começou a ter um visual mais definido.  Eu vejo uma dificuldade maior em trabalhar com histórias longas. Prefiro um formato de tirinhas ou de histórias curtas."



Futuro 

Para finalizar, perguntei pro Vitor quais os planos para o seu futuro, na esperança de tentar extrair algum anúncio bombástico.

"Já tenho ideias de tirinhas pra depois que eu terminar Valente. Uma delas até já está bem avançada, já tem até estudo de personagens e do rumo que ela vai tomar. As outras estão meio que "no limbo" da minha cabeça, mas já tenho noção do tema."
Também há algumas obras mais longas planejadas.

"Projetos mais longos têm coisas também para acontecer já no ano que vem. Eu quero fazer um quadrinho independente já no primeiro semestre, pra lançar em Curitiba. Seria do mesmo formato do Duo.tone (obra independente do Vitor que traz duas histórias de diferentes temas e personagens), com umas 40 páginas, no mesmo formato inclusive da revista, mas com uma história só. E tem outras coisas que não posso adiantar agora...

Mas Vitor. Não pode nem dar um nome, o tema que vai ser tratado...?

"Não posso, cara, não posso...O que dá para adiantar é que tem coisas que vão sair nos próximos anos que muito em breve vocês vão ficar sabendo delas."

Ok então.
Aguardemos.
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Gostaríamos de agradecer mais uma vez a produção do Shin Anime Dreamers por ter disponibilizado este espaço para a entrevista exclusiva e as fotos do bate papo com o Vítor.


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