Sonhos à Deriva (2014)



Filmes musicais, apesar de sujeitos a todos os critérios padrão pra serem considerados bons enquanto cinema, conseguem muitas vezes deixar uma boa impressão, caso a música seja legal.
Há alguns exemplos recentes que exemplificam cada caso, e há os que são bons sem precisar da música ("Alabama Monroe", "Whiplash", e "Inside Llewyn Davis", ainda que nos três a música seja muito massa), e os que precisam dela exclusivamente pra tapar os furos da produção ("Coração Louco", é um exemplo que teve a música e a atuação do Jeff Bridges pra equilibrar as coisas, e "Mesmo se Nada der Certo" seria um exemplo em que nem a música o salva de sua poderosa mediocridade).
"Sonhos à Deriva", apesar de eu nem saber que tinha algo a ver com música, na ocasião em que fui assistir, parte dessa encruzilhada em que pode ser apenas um videoclipe de hora e 40 ou um filme.



O filme de estreia na direção do sempre elogiado ator William H. Macy não veio com hype nenhum, nem grandes pressões.

A escolha do tema, e o aspecto visual apresentado no cartaz (não assisti o trailer previamente)
funcionam afastando interessados em obras pseudo-cults, ainda que também tenha servido pra deixar a pressão da opinião pública lá embaixo.
No filme do cineasta estreante, ele acompanha a vida do protagonista Sam, desde momentos antes de uma tragédia que vai destruir a estabilidade de sua vida, e narrando as formas que ele encontra de lidar com isso a partir de então.
Sam, interpretado pelo Billy Crudup, é um cara que curte fazer um som, mas que agora passa os dias entre a rotina de um emprego meramente pra se manter ocupado, e as beberagens antes de voltar pra sua casa/barco. E numa dessas acaba por encontrar nas músicas compostas pelo seu filho Josh (Miles Heizer) uma forma de conhecer o filho de uma forma que as conversas entre eles não conseguiam.
Nesse ponto, um personagem é essencial pra essa época de aprendizado.
Quentin (Anton Yelchin) vem com uma verborragia empolgada e intencionadamente motivadora, que pro Sam é ruído desnecessário no seu dia-a-dia.
Ou seja, de certo modo é algo motivador.



O diretor do filme trabalha com esses recursos que o roteiro lhe disponibiliza, em um primeiro ato bem comum, simples, e em partes, previsível.
Só que parte dessa simplicidade são cartas guardadas pro ato final, e com isso o filme cresce.
O jeito de filme familiar (apesar da censura R) não o torna mais interessante, mas esconde a intensidade que chega com a banda Rudderless, e que através de suas músicas faz o roteiro soar completo. Faz entender e conhecer os personagens em suas buscas pessoais, e objetivos que são muito mais do que faturar alto com turnês, etc.
William H. Macy, além de atuar, narra o roteiro escrito por ele, Casey Twenter e Jeff Robison, e permite espaço pras atuações convincentes do elenco, o qual tem em Billy Crudup, Anton Yenlchin, Felicity Huffman e Laurence Fishburne, seus pilares de sustentação.
Billy Crudup e Felicity Huffman são os que possuem mais material pra trabalhar seus personagens, porque os pais divorciados vivem uma escalada de dilemas que, no momento em que o público passa a acompanhar no mesmo ritmo, se torna mais envolvente
O que não reduz a importância de cada pequena influência que todos exercem nos outros na história.
Um drama humano com jeito intimista, e que na tentativa de seus personagens de superar traumas os leva a expor fragilidades, e vencer o conforto da inércia, e da autopiedade.



Conforme dito anteriormente, parte essencial pra harmonizar tudo isso são as músicas, escritas de forma direta e impiedosa com os problemas de quem escreve, e genuinamente amargas, apesar de um tom de otimismo verificável a cada verso.
Uma certa ânsia adolescente eterna de expressar nas músicas o que palavras não ritmadas, e sem rima várias vezes não conseguem traduzir.
Tudo isso conduz o filme, transformando o que em certas ocasiões parece apressado, e que no final épico (nesse tipo de circunstância que eu considero adequado usar essa palavra, e não quando heróis se espancam destruindo prédios em uma luta daquelas de olhar pro relógio de minuto em minuto) se mostra reflexo de uma direção consciente do que o longa-metragem tinha por motivações principais, e do que deveria ser o saldo na lembrança do espectador quando a metragem se encerra.


Mesmo quando o tal otimismo se mostra não tão exagerado, é mérito do roteiro manter os pés no chão, e não cair no erro de fingir um esquecimento dos problemas que levaram todos até onde estão.
Sob o comando de William H. Macy isso é evidente no protagonista, e inclusive os coadjuvantes interpretados pelo Ben Kweller, e pelo Ryan Dean não passam pelo filme pra fazer número, tendo isso impacto na história deles.
Tal qual uma banda de rock a qual se preze, todo integrante exerce papel fundamental, por menos que aparece diante dos holofotes.
O diretor entendeu isso, e na medida do possível reverteu algumas primeiras impressões dos minutos iniciais, conseguindo ao menos em intensidade um dos filmes memoráveis de 2014, e que vale uma revisita qualquer hora dessas.


Quanto vale:


Sonhos à Deriva. Recomendado para: pensar em encontrar um pessoal pra iniciar uma banda de rock.

Sonhos à Deriva
(Rudderless)
Direção: William H. Macy
Duração: 105 minutos
Ano de produção: 2014
Gênero: Drama

Previous
Next Post »