Filmes de mutretagem
podem ser mesmo muito legais.
Essas tramoias de plot
twists imprevisíveis, em que o vilão nem sempre é o que parece
ser, e dentre os protagonistas pode ter um traidor se revelando nos
finalmentes da historia, e em que existe uma quase honra entre os
envolvidos.
Isso é legal.
Mas pra ser genial, seria preciso que esses elementos acima chegassem a ser tão desimportantes diante de
alguma outra qualidade, que no final do filme a gente mal lembre
deles.
“Trapaça”,
mais recente trabalho do diretor David O. Russell, traz
consigo o peso da pré-impressão.
Todo mundo meio que sabe
o que esperar de um filme com título (o original ou o traduzido),
cartaz, e material de divulgação que nem os destinados a essa
produção.
Porém, dependendo, isso
pode ser uma arma favorável.
Afinal, basta ver a nova
tresloucada transformação física de Christian Bale no
começo do filme pra perceber que esse não vai ser um filme de
trambiqueiro espertalhão com pose de James Bond.
A câmera faz questão de destacar a caracterização dele, que lembra a de Tom Cruise em Trovão Tropical, porém com os aspectos extremos que são comuns quando o intérprete do Batman do Nolan precisa mudar fisicamente.
A câmera faz questão de destacar a caracterização dele, que lembra a de Tom Cruise em Trovão Tropical, porém com os aspectos extremos que são comuns quando o intérprete do Batman do Nolan precisa mudar fisicamente.
Interpretando Irving Rosenfeld, um figura que se encrencou com o FBI por causa de seus negócios de moral questionável, o ator mais uma vez consegue se desvencilhar de qualquer possível comparação com algum papel icônico de sua carreira.
Durante as duas horas e
pouco, ele é o pilantra, e faz o público realmente acreditar nas
suas motivações.
Ao lado dele, duas
atrizes buscam roubar a cena, e conseguem êxito em várias
oportunidades.
Jennifer Lawrence,
com a surtada e insuportável Rosalyn Rosenfeld,
interpreta sem demonstrar qualquer receio por estar frente a frente
com Christian Bale, um ator bem mais experiente que ela.
Nos momentos em que os
dois discutem (eles só discutem), e o personagem de Bale
demonstra sua fraqueza, que está em grande parte na manipulação
exercida por ela, isso fica ainda mais autêntico. Verdadeiro.
Fica ainda mais fácil e
incômodo constatar que o trambiqueiro implacável e que aprendeu com
a frieza da vida a resolver as coisas com um plano sempre em mente,
quando está diante da mulher fica sem respostas ao ouvir os argumentos estapafúrdios dela, que nunca reconhece o erro, e muito pelo
contrário inverte a situação pra que a culpa seja dele.
A outra atriz que tem
muito espaço pra se destacar é Amy Adams. Ela é a femme
fatale do filme, só que óbvio que em um filme distante do que
Hollywood curte, o personagem dela também não fica no estereótipo.
Interpretando Sydney
Prosser, parceira de Irving, ela vai além das caras de
choro, ou gritarias, e consegue tirar da memória a imprestável Lois
Lane do igualmente imprestável filme “Homem de Aço”.
Reparem que eu nem falei
da trama ainda. E nem pretendo muito, não.
Primeiro porque não
tenho o costume de contar demais de filme nenhum. E o segundo, e
principal motivo, é que tão elaborados são os personagens no
filme do David O. Russell. que nem importaria tanto o plano
que vai ser posto em prática.
Mas que ele é legal
também, isso é inegável.
Tanto que, assistir
“Trapaça”, apenas destacou o quanto “Argo” era
apenas um filme correto, e não essa obra-prima tensa angustiante que a mídia pintou pra ser.
Não parecia que as
coisas iriam sair errado no filme do Ben Affleck, e
isso é primordial.
Agora, pra trupe do
Rosenfeld (ou do agente do FBI, que insiste em repetir que é ele quem está no comando), o mais fácil era tudo ferrar a qualquer momento.
Não apenas os egos e
desentendimentos entre eles ameaçam isso, mas o próprio roteiro
trata de plantar empecilhos a todo momento, pra que a cada vez maior
e mais arriscada missão saia por completo dos trilhos e todo mundo
tenha muito mais pra se incomodar do que ir pra cadeia.
Importante também é a
constatação de que o diretor sabe que não está inventando a roda.
Ele reverencia os
clássicos do gênero em que está filmando, e até por isso acaba
sendo uma temporada interessante em que seu filme influenciado por
Martin Scorcese, compete com "O Lobo de Wall Street" novo filme do próprio
Scorcese.
Os estilos são
diferentes, e claro, David O. Russell não é qualquer mirim.
Ele é o cineasta que
trouxe às telas “O Vencedor”, e o melhor-sucedido do que
qualquer um esperava “O Lado Bom da Vida”.
Isso reforça as
atuações tão competentes do Cristian Bale, Amy
Adams, Jennifer Lawrence que novamente trabalham sob as ordens do
cara. Mas o mesmo não se pode dizer do Bradley Cooper. Ele,
também produtor executivo do filme, fica no cacoete do policial,
mesmo que se peça dele estar à altura do sensacional trabalho do
protagonista com o qual trava embates verbais recorrentes. Mas é engraçado, até.
Muito melhor é a
interpretação do Jeremy Renner, que traduz bem o gente fina
prefeito Carmine Polito, completando o quinteto principal.
Além disso, claro,
putz... a participação do Robert De Niro é... só assistam.
Há muito que é
extremamente caricato no filme, desde as caracterizações, até o
modo como o plano é apresentado e esmiuçado.
Ainda assim, fica difícil
distinguir o limiar entre estilização e tropeço da direção.
Vezes tais quais uma
chegada a uma festa em que os personagens surgem trajados
estereotipadamente, envoltos em fumaça, com enquadramento que
lembra algum datado videoclipe afundado em cafonice da braba,
despertam constrangimento, mas ao mesmo tempo, no roteiro escrito
pelo Eric Warren Singer esse excesso quem sabe seja parte do
jogo de fingimento e farsas pessoais que maquiam a realidade, levando as pessoas e suas reações a outros extremos.
Todos participam desse
tragicômico cenário em que fingem ser, agir, e parecer o que não
são, e dentro dessa proposta, de um teatro forjado de aparências, o
filme é sim merecedor de sua repercussão, em um desenrolar que pode
não parecer tão épico pra alguns, mas que narra bem o que o
personagem do Christian Bale resume no que eu parafraseio: é
assim que o mundo funciona. Não é preto no branco. É extremamente
cinza.
Trapaça.
Recomendado para: conhecer uma espécie de filme de picaretagem incomum.
Trapaça
(American Hustle)
Direção: David O.
Russell
Duração: 138 minutos
Ano de produção:
2013
Gênero: Drama/Policial
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