O Menino e o Mundo (2013)



O menino encontra uma vasta gama de cores no que um olhar desatento quem sabe não visse nada, e logo após adentra em uma imensidão de poucos traços, em que o branco predomina, e as possibilidades de uma vida principiando abrem as portas para um mundo borbulhando de imaginação.
O Menino e o Mundo”, segundo longa-metragem do cineasta Alê Abreu, além de ser o representante brasileiro na disputa pelo Oscar 2016, é uma convidativa obra de reflexão em forma de animação lúdica de amargos contornos.
Apesar disso, e de toda a exposição midiática adquirida, à primeira vista se sobressai o aspecto visual que destoa das escolhas de vencedores da premiação recentemente, o que pode até soar desestímulo pra assistir, mas é só mais um dos elementos que tornam o filme uma sessão interessante.



Os traços simples, emulando a visão que uma criança expressaria no papel do mundo à sua volta, estabelece um parâmetro artístico já evidenciando o quão ambicioso o projeto é. Alê Abreu apresenta seu conto fabular com poucos elementos em cena, que pro menino já são o bastante, porque ele sendo criança consegue preencher o resto com o que sua mente cria, e é algo que somos desafiados a fazer também pra acompanhá-lo.
Apesar de as cores vivas serem um contraste com o cenário desolado e árido em que o protagonista vive com os pais, existe desde já um ar melancólico, mais ou menos como se houvesse uma atmosfera de despedida, ou de que aquilo está sendo apresentado pra servir exatamente de contraponto com o que o roteiro pode reservar a ele.
O filme, ao mesmo tempo em que vai apresentando adições à palheta de cores, vai evidenciando o que de ofensivo e desumano existe, e que o menino vai encontrando numa busca a qual é também catalisador de aprendizados e amadurecimento.
O mote principal da trama, entretanto, não é somente o olhar da criança acerca do mundo que vai conhecendo, e forçando a deixar a infância.
Ao menos pra mim, apesar de o exposto acima ser muito bem desenvolvido no enredo, a forte crítica social, e que traz à mesa uma contundente discussão acerca do capitalismo, e que a narrativa é capaz de contar principalmente graças aos personagens que o garoto encontra.
E enquanto a própria estética do filme demonstra o ímpeto dos envolvidos por uma abordagem ousada, o sem fim de questionamentos transita por uma versão do mundo real que seria distópica, se não fosse tão parecida com o mundo existente e que conhecemos bem, em todas suas injustiças e formas desiguais de tratamento de pessoas, os diálogos não são feitos pra facilitar o storytelling, pois são todos falados em português, porém reproduzidos ao contrário.
Empregadores, fábricas, sistemas de produção, e tudo mais servindo a converter seres humanos em dados estatísticos, produtividade, e engrenagens facilmente substituíveis ao menor sinal de defeito.





No meio disso tudo, o olhar de quem nos conduz sempre é capaz de encontrar encantamento e beleza em coisas simples, que no meio da poluição midiática da cidade grande, e das frustrações esmagadoras do mundo adulto passariam com certeza despercebidos.
É com elegância e força que a produção vai plantando na frente do espectador cenas marcantes e belíssimas, que ganham vida na mente e ajudam no nosso papel de cumplicidade com o quadro imaginativo apresentado.
Na tela a todo momento surge alguma engenhoca, veículo, ou paisagem que não existe à nossa volta, mas que se visto com a aceitação da distopia nossa de cada dia, vira algo corriqueiro que nem as distopias do cotidiano.
Assim os veículos de feições animalescas, classe alta em uma cidade futurista, e a favela que parece uma cidade inteira viram uma contemplação angustiante da selvagem rotina de trabalho pra pagar contas, se alimentar, dormir, e tentar empurrar a morte um pouco mais pra lá, porque no momento em que ela chega, tal qual um número já sem importância em uma conta, resta à existência o esquecimento.



Até pela ausência de falas, a trilha sonora composta por Ruben Feffer, Gustavo Kurlat, Naná Vasconcelos, Barbatuques, Emicida, e GEM se faz ainda mais personagem, nessa que é mais do que uma história, e sim uma experiência cinematográfica gratificante.
No longa-metragem de Alê Abreu a perda da identidade da população, seja pelas ferramentas de alienação de massa, ou das estratégias das grandes corporações, ou mesmo pelos quadros de pobreza extrema, refletem no olhar do menino manchando uma visão de mundo que outrora conseguia encontrar felicidade completa na simples existência das pessoas que ama, e da liberdade de imaginar além de suas posses uma fonte interminável de motivos pra se alegrar com a vida.
Extremamente audaz e ambicioso, “O Menino e o Mundo” é um angustiado grito preso na garganta, de revolta contra a desumanização gradual que a sociedade aprendeu a chamar de natural, e que relega vidas a planilhas de resultados no fim do mês em um quadro desconcertante que leva a uma triste conclusão: se somos todos números, então não somos mais nada.


Quanto vale:


O Menino e o Mundo. Recomendado para: ser um dos grandiosos filmes de animação em que inteligência e sensibilidade tornam o CG adereço desnecessário.

O Menino e o Mundo
(O Menino e o Mundo)
Direção: Alê Abreu
Duração: 80 minutos
Ano de produção: 2013
Gênero: Fantasia
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