O
menino encontra uma vasta gama de cores no que um olhar desatento
quem sabe não visse nada, e logo após adentra em uma imensidão de
poucos traços, em que o branco predomina, e as possibilidades de uma
vida principiando abrem as portas para um mundo borbulhando de
imaginação.
“O
Menino e o Mundo”, segundo longa-metragem do cineasta Alê
Abreu, além de ser o representante brasileiro na disputa pelo
Oscar 2016, é uma convidativa obra de reflexão em forma de
animação lúdica de amargos contornos.
Apesar
disso, e de toda a exposição midiática adquirida, à primeira
vista se sobressai o aspecto visual que destoa das escolhas de
vencedores da premiação recentemente, o que pode até soar
desestímulo pra assistir, mas é só mais um dos elementos que
tornam o filme uma sessão interessante.
Os
traços simples, emulando a visão que uma criança expressaria no
papel do mundo à sua volta, estabelece um parâmetro artístico já
evidenciando o quão ambicioso o projeto é. Alê Abreu
apresenta seu conto fabular com poucos elementos em cena, que pro
menino já são o bastante, porque ele sendo criança consegue
preencher o resto com o que sua mente cria, e é algo que somos
desafiados a fazer também pra acompanhá-lo.
Apesar
de as cores vivas serem um contraste com o cenário desolado e árido
em que o protagonista vive com os pais, existe desde já um ar
melancólico, mais ou menos como se houvesse uma atmosfera de
despedida, ou de que aquilo está sendo apresentado pra servir
exatamente de contraponto com o que o roteiro pode reservar a ele.
O
filme, ao mesmo tempo em que vai apresentando adições à palheta de
cores, vai evidenciando o que de ofensivo e desumano existe, e que o
menino vai encontrando numa busca a qual é também catalisador de
aprendizados e amadurecimento.
O
mote principal da trama, entretanto, não é somente o olhar da
criança acerca do mundo que vai conhecendo, e forçando a deixar a
infância.
Ao
menos pra mim, apesar de o exposto acima ser muito bem desenvolvido
no enredo, a forte crítica social, e que traz à mesa uma
contundente discussão acerca do capitalismo, e que a narrativa é
capaz de contar principalmente graças aos personagens que o garoto
encontra.
E
enquanto a própria estética do filme demonstra o ímpeto dos
envolvidos por uma abordagem ousada, o sem fim de questionamentos
transita por uma versão do mundo real que seria distópica, se não
fosse tão parecida com o mundo existente e que conhecemos bem, em
todas suas injustiças e formas desiguais de tratamento de pessoas,
os diálogos não são feitos pra facilitar o storytelling, pois são
todos falados em português, porém reproduzidos ao contrário.
Empregadores,
fábricas, sistemas de produção, e tudo mais servindo a converter
seres humanos em dados estatísticos, produtividade, e engrenagens
facilmente substituíveis ao menor sinal de defeito.
No
meio disso tudo, o olhar de quem nos conduz sempre é capaz de
encontrar encantamento e beleza em coisas simples, que no meio da
poluição midiática da cidade grande, e das frustrações
esmagadoras do mundo adulto passariam com certeza despercebidos.
É
com elegância e força que a produção vai plantando na frente do
espectador cenas marcantes e belíssimas, que ganham vida na mente e
ajudam no nosso papel de cumplicidade com o quadro imaginativo
apresentado.
Na
tela a todo momento surge alguma engenhoca, veículo, ou paisagem que
não existe à nossa volta, mas que se visto com a aceitação da
distopia nossa de cada dia, vira algo corriqueiro que nem as
distopias do cotidiano.
Assim
os veículos de feições animalescas, classe alta em uma cidade
futurista, e a favela que parece uma cidade inteira viram uma
contemplação angustiante da selvagem rotina de trabalho pra pagar
contas, se alimentar, dormir, e tentar empurrar a morte um pouco mais
pra lá, porque no momento em que ela chega, tal qual um número já
sem importância em uma conta, resta à existência o esquecimento.
Até pela ausência de falas, a trilha sonora composta por Ruben Feffer, Gustavo Kurlat, Naná Vasconcelos, Barbatuques, Emicida, e GEM se faz ainda mais personagem, nessa que é mais do que uma história, e sim uma experiência cinematográfica gratificante.
No
longa-metragem de Alê Abreu a perda da identidade da
população, seja pelas ferramentas de alienação de massa, ou das
estratégias das grandes corporações, ou mesmo pelos quadros de
pobreza extrema, refletem no olhar do menino manchando uma visão de
mundo que outrora conseguia encontrar felicidade completa na simples
existência das pessoas que ama, e da liberdade de imaginar além de
suas posses uma fonte interminável de motivos pra se alegrar com a
vida.
Extremamente
audaz e ambicioso, “O Menino e o Mundo” é um angustiado
grito preso na garganta, de revolta contra a desumanização gradual
que a sociedade aprendeu a chamar de natural, e que relega vidas a
planilhas de resultados no fim do mês em um quadro desconcertante
que leva a uma triste conclusão: se somos todos números, então não
somos mais nada.
Quanto
vale:
O
Menino e o Mundo. Recomendado para: ser um dos grandiosos filmes de
animação em que inteligência e sensibilidade tornam o CG adereço desnecessário.
O
Menino e o Mundo
(O
Menino e o Mundo)
Direção: Alê Abreu
Direção: Alê Abreu
Duração:
80 minutos
Ano
de produção: 2013
Gênero:
Fantasia
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